Underneath #42

       Troy não tinha certeza quanto tempo tinha estado naquele vácuo negro. Provavelmente alguns dias. Ele não precisava de saber que dia era pois a cada segundo ouvia as palavras de Noir cada vez mais altas como se aquele dia estivesse a reviver-se-lhe dentro da sua cabeça. No entanto, o fogo de Noir atingia-o e queimava-lhe a pele, os fios negros da Escuridão faziam o seu caminho pelas águas puras da praia e conseguiam penetrar-se-lhe na pele. Troy não tinha a certeza quanto tempo tinha estado naquele vácuo negro mas sabia que já tinha sido derrotado. 
        Não importava o quanto lhe dissessem que era capaz. Troy sabia que não o era. Ele cedeu tanta vez ao mal que já não conseguia crer ter forças para defender as pessoas à sua volta. E o que lhe doía mais era ver o rosto esperançoso da Violet, do Ryan e até o da Melody, que ainda acreditavam e achavam que ele poderia derrotar o demónio que o assombra. A sua pele já sentia a maldição a concretizar-se. 
     Ele sentia os olhos azuis do Ryan postos nele. Ele sabia que manter aquele silêncio estava a custar às gémeas. Será que eles sabiam o que se estava a passar com ele? 
     Troy fechou os olhos. Ali, o tempo parecia não passar. Com os olhos fechados, ele viu uma mistura de cores escuras e nessa mistura tentou encontrar a luz branca que o visitara algumas vezes. Ele não a encontrou. 
     De olhos abertos, Troy ficou a fitar o espaço vazio e sem estrutura até ouvir a voz de Ryan na sua cabeça. 
- Evans? - disse ele. 
      Troy olhou para ele. A sua boca não tinha mexido mas os olhos estavam grandes como os de um cachorro perdido. Parecia surpreendido, talvez por ter conseguido comunicá-lo com a mente. 
- Eu só posso imaginar o que se passa na tua cabeça, mas gostava que mo contasses - Troy voltou a por os olhos no vazio. Ele não queria falar. - Troy, eu posso ajudar-te, deixa-me ajudar-te. 
- E como pensas fazer isso? Tu não tens poder para derrotar o Saeva e tirar a vida duma galáxia. Ninguém tem. 
- Porque não tentamos? Juntos? 
- Ryan, isto não é uma aventura como quando tínhamos dez anos. Estamos presos. O Saeva vai-se apoderar de mim e o máximo que eu posso fazer é tentar dar-vos tempo para fugir. Comigo aqui, os Planetas vão recuperar a sua energia num ápice e quando isso acontecer é melhor o Sol arranjar uma maneira de derrotar-me e depressa. O Saeva não tem planos de falhar novamente.
- Porque é que estás a desistir já? Nós ainda temos uma chance. Tu és a nossa chance. 
     Troy estava farto daquela conversa.
- Qual chance, Ryan!? - Troy gritou. As gémeas assustaram-se com o berro. - Se eu tentar alguma coisa sabes o que vai acontecer? Vocês vão ser mortos! Se eu não tentar alguma coisa, posso conseguir salvar-vos antes de ele possuir-me por completo. É o máximo que eu posso fazer! Eu não tenho poder para mais nada! O meu destino está traçado desde que pisei aquela maldita praia! 
        Os berros de Troy deixaram o seu impacto nos três e no espaço envolvente. Ao pensar que ia ficar aliviado por ter exposto os seus pensamentos, tal não aconteceu. Ele sentiu um peso maior. Os pêlos quase brancos dos braços morenos eriçaram-se com a súbita explosão e com o choque com o ar frio à volta. O rosto e a cabeça arrefeceram e ficaram da mesma temperatura que o seu coração palpitante. 
        Ryan desviou o olhar do seu melhor amigo. As gémeas deixaram-se ficar caladas no seu canto com muita dificuldade. O silêncio e a espera consumiram-os novamente e desta vez fizeram-no dolorosamente. 


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- Porque haveríamos de estar em sarilhos? - sussurrou Mercúrio para Úrano num tom agressivo. 
- Constando que és o único hetero solteiro do grupo, com um gosto para loiras, completamente despedaçado e carente... - encolheu os ombros e fechou os olhos levantando as sobrancelhas roxas escuras.
- Nem todos temos os teus hábitos - replicou ele, irritado. Os olhos vermelhos flamejaram na direção dele. 
- Anos vinte. É tudo o que vou dizer. - Úrano não olhou mas sabia que o homem ao seu lado estava vermelho que nem um tomate. 
       Luna virou-se e lançou-lhes um olhar aborrecido. Úrano sorriu-lhe e Mercúrio desviou o olhar. 
- És o último Planeta de Lymph? - questionou Sol com a voz ampliada. 
- O último Planeta? - disse, ofendida. - Eu sou o primeiro Planeta e o meu nome é Silver - ninguém reagiu ao nome dela como esperava. - Se o Tema me tivesse levado para aquela estúpida batalha - começou a tagarelar e parou quando notou os rostos confusos das representações à sua frente. Silver não sabia o que queria fazer com eles mas nem por sombras os deixaria ir para Qaya. - O que estão aqui a fazer? 
        Sol avançou sentindo o calor que emanava a enfraquecer quanto mais próximo ficava de Silver.
- Sou o Sol, Estrela Vital do Sistema Solar, e quero invocar uma reunião contigo, Qaya e Noir. 
- Sobre o quê? 
- A sério? - comentou Úrano lá do fundo. - Não consegues perceber que estamos à procura das gémeas e dos miúdos que... Já agora - colocou a mão no coração dramaticamente, - sinto-me ofendido por ainda não ser um tio para elas, ok, Moony. A culpa está toda nos teus ombros e também guardo rancor por ti, Sol, mas como és a minha Estrela eu perdoo-te. 
- Prometo que ele não estará presente na sala - Sol acrescentou. 
- Ligaste algum botão? - perguntou Luna a Urano.
- Não mas...
- Por favor, cala-te - pediu Mercúrio cansado. 
- Não prometo nada - disse Silver, chegando-se mais perto da Estrela. Luna ficou com as bochechas vermelhíssimas. - Mas sempre podemos arranjar uma outra solução....
         Sol deu um passo atrás a tentar fugir do toque da mulher mas ela era persistente. Ele sentia as emoções da Luna a borbulharem dentro de si e por momentos sentiu-se contente com os ciúmes dela. Ele gostava que ela de vez em quando sentisse ciúmes por ele. Ao ver que Silver não ia desistir de seduzi-lo, Sol virou-lhe as costas de rompante e começou a caminhar na direção da sua esposa. Luna não olhou para ele. Tinha os olhos azuis colocados na mulher de cabelo platinado e as bochechas bem vermelhas. Sol entrelaçou os dedos nos dela e beijou-lhe o dedo anelar que trazia o anel de casamento. As emoções dela acalmaram logo e os ciúmes deram lugar a carinho e borboletas na barriga.
- Sempre. Vou sempre atrás dos que têm a porcaria da Tal. Sempre - resmungou a virar-lhes as costas e a entrar no pátio coberto.
- Então...Aaa... Devíam...
- Cala-te - disseram os três em uníssono.


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     Catarina chegara tão cansada a casa que ao deitar-se no sofá adormeceu por completo. No dia seguinte ia mais cedo para a casa da Jade e por isso não se importou muito de ter adormecido no sofá. Com as mantas todas que lá ficaram parecia bem mais confortável que a cama. 
     De manhã, acordada pela mãe, tomou banho e comeu qualquer coisa. Quando o relógio marcou as dez, ela ouviu a voz da Jade perto do local onde Marshall, um dos seus cães, ficava. 
- Jade? 
- Está bem, eu prometo-te que vou dizer-lhe - disse ela, com um sorriso no rosto. Deu uma festinha no cima da cabeça dele e levantou-se. - Bom dia! O Marshall é um querido - disse ela. 
- Bom dia - disse Catarina. Jade andou lado a lado com ela. - Estavas a falar com o... 
- Ele contou-me que gostava de entrar mais em casa mas percebe porque é que não pode. E ele está preocupado com a Natacha. Achas que posso vê-la? Talvez possa ajudar. 
- Soubeste da Natacha pelo Marshall? 
- Sim.  Oh, que cheirinho a chá. Queres que eu faça torradas? Ainda não comeste? 
- Ainda não comi - disse ela, ainda meio adormecida e atordoada com a energia e tudo o que tinha saído da boca dela. 
      Jade entrou em casa e colocou-se à vontade tão facilmente que Catarina não opinou em nada. O chá já estava feito e a ferver e por isso Jade só teve de fazer as torradas. Ela contou-lhe que falar com os animais era um dos seus poderes, assim como controlar os quatro principais elementos - Água, Fogo, Terra e Ar. Passado uma hora, Catarina tinha trocado de roupa e sido transportada para a casa de Jade nas árvores. Ela adorava onde a grande e dividida casa dela ficava mas não estava nada ansiosa por ter de andar naquelas pontes de corda e placas de madeira. 
      Júpiter parecia estar na mesma. Não tinha sangrado durante a noite e essa era a única diferença visível. As ligaduras à volta do corpo, agora magro e debilitado, estavam limpas. Os lençóis da cama, longe da luz, estavam exactamente na mesma posição, assim como os seus dedos e cabelos. 
- Quando é que vais acordar, hum, Juju? 
     Como se o seu corpo reagisse à alcunha que Urano lhe dera, Júpiter mexeu dois dedos.
- Tu odeias mesmo esse nome, não odeias? - Catarina moía grãos e folhas para aplicar no corpo destruído do Planeta.  - Bem, pelo menos já sei o que te chamar quando acordares. 
     Lá fora, chuva começou a cair. 


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     Algo escuro e sombrio movia-se mas nada se passava à sua volta. Os rostos dos seus amigos não tinham emoção alguma e nada tinha acontecido. Mas algo escuro e sombrio movia-se à sua volta. Não era o Saeva, não eram os seus fios cortantes e parecia demasiado real para ser um truque da sua mente. Talvez fosse. Talvez a maldição o tivesse...
      A maldição!
     Os dias haviam passado. As horas, os minutos e os segundos contados. Mas Troy tinha a certeza que não era o seu aniversário. Ainda não era.
     Ele ouviu a voz de Noir, fraca mas alta, na sua cabeça. A Escuridão irá consumi-lo sem qualquer hipótese de retorno. A cabeça dele começou a latejar como tivessem acertado nela com algo duro e forte. Troy começou a mexer os pulsos e estes foram atacados pelos espinhos das cordas negras que o prendiam. Nunca mais terão o vosso filho de volta. As feridas que se tinham fechado abriram-se voltando a derramar linhas de sangue. Em agonia, Troy conteve o grito que sufocava o seu peito. Suores frios começaram a percorrer a pele dele e sem querer acreditar, sentiu um fio pegajoso e negro a circular à volta dele.
     Troy tinha a certeza que não era o seu aniversário.
     Parem. 
- Troy?
     O espaço à volta dele começou a rodar. Outro fio negro percorreu as pernas dele subindo até à marca. Mais outro entrou por uma das mangas. Algo mexeu-lhe no cabelo e Troy moveu-se. Nesse instante, como uma repreensão, os fios cortaram a pele dele. Saiu-lhe um grito mudo da boca e os olhos azuis esverdeados ficaram cobertos por uma névoa tirando-lhe a visão.
- Troy?
- Troy? Estás a ouvir-me?
- Olha para mim! Evans...
      O nome dele cavalgava no ar e ele nunca se tinha sentido tão indiferente a ele.
      Ele é mais do que teu filho... 
     Parem... 
     A Escuridão... Nunca mais terão o vosso filho de volta... Nunca... 
- Troy!
     Ele acordou.
- Troy - as gémeas estavam à beira das lágrimas ao pé dele e Ryan olhava para ele com um olhar que ele não conhecia. A dor de cabeça apareceu. - Troy... - Violet abraçou-o, assim como Melody e Ryan.
- O que aconteceu?
- Precisas de começar a ter mais noção do que te acontece, Evans - comentou Ryan, a limpar os olhos com o braço.
- Os teus olhos ficaram completamente brancos e as tuas mãos começaram a brilhar. Por causa das cordas do Saeva, estavas a sangrar dos pulsos...
- Depois as cordas desapareceram e tu começaste a atirar bolas de energia para todo o lado e a murmurar algo...
- O Ryan prendeu-te ao chão e começaste a ter convulsões até finalmente parares.
- O teu coração parou também - adicionou Violet.
     O que estava a acontecer-lhe? Não se lembrava de nada disso.
     Ele olhou para os rostos dos seus amigos. Nunca os tinha visto assim, nem mesmo Ryan. Pareciam completamente derrotados, tristes e cansados. Troy estava farto de contribuir para todos os sentimentos negativos que os assombravam.
- Desculpem-me. Desculpem - naquele instante, também ele quis chorar. - Eu vou tentar... Eu vou tentar derrotar o Saeva - disse um pouco reticente. - Por vocês.
      Os três sorriram ao ouvir as palavras dele.
- Por nós, génio - corrigiu Melody.
     Troy conseguiu colocar um sorriso no seu rosto. Este não durou muito tempo.
     Saeva sobrevoou-os e atacou. 

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