Underneath: Qaya #31

     Troy Evans levantou-se. Acordou mal disposto e com fome. Tinha calor e sentia-se extremamente cansado. Olhou em volta e viu paredes vazias, uma janela simples e um pedaço grande de tecido a fazer de porta. Tirou a camisola e procurou por uma nova em vão. Saiu à rua e viu toda a gente a comer numa mesa de estilo piquenique perto da orla da floresta. Kade acenou-lhe ao que Troy revirou os olhos. Foi ter com eles.
- Bom dia - disse-lhe Violet. 
     Ele nem lhe dirigiu o olhar. Ryan estranhou o seu comportamento. 
- Dormiste bem, Evans? - perguntou e colocou a mão no ombro dele. Troy fitou-o irritado. - Já vi que não. O que se passa? 
- Estás a tapar a taça das frutas, é isso o que se passa - respondeu.
- Alguém está mal disposto - comentou Kade. 
- Troy - chamou Violet, completamente confusa. 
- O que foi? Já não posso comer em paz? - ele pegou numa peça de fruta e numa sandes de carne. Deu uma dentada na fruta e encaminhou-se para o quarto de Axel. 
- O que é que ele pensa que está a fazer? - perguntou Axel apontando para Troy com um garfo. Quando Troy entrou no quarto dele, Axel levantou-se. 
- Axel, tem calma - disse-lhe Melody. 
- Eu vou falar com ele - disse Ryan. 

- Evans? 
- Como é possível ele não ter camisolas deste século? Parece tudo saído dum filme dos Piratas das Caraíbas
- Podias simplesmente pedir-lhe uma camisola em vez de estares a entrar no quarto dele sem permissão. 
- A-ah! Esta sim - disse Troy, com um sorriso no rosto. Pousou a comida na cama e vestiu a camisola sem mangas. Deu outra dentada na fruta e saiu do quarto. 
- Evans! - Ryan exclamou. - Evans, onde vais agora? 
- Arrumar o pouco que me resta. Não penso ficar aqui nem mais um minuto - respondeu. 
- O que... - Ryan olhou para o melhor amigo que nem se dignou a olhar para trás. Depois direccionou o olhar para a mesa e viu toda a gente com uma expressão confusa no rosto. 
     Troy pegou num saco e pensou em arrumar as suas roupas até cheirá-las. Saiu e foi pegar comida da mesa onde o pequeno-almoço estava servido. Toda a gente estava pasmada a olhar para o rapaz sem proferir uma palavra. Mas Kade não vacilou. 
- O que é que pensas que estás a fazer? 
- A recolher mantimentos. Vou precisar quando partir para a Biblioteca - respondeu enquanto tentava escolher se preferia levar outra sandes de carne ou com doce. - Seria óptimo se me ajudassem a ir para lá, já agora. Quer dizer, da última vez que tentámos ir para lá acabámos por ser atacados.  
- Troy, o que se passa? - perguntou Melody.  
- Estou a arrumar comida para a viagem, não se nota?... - ele suspirou. - Como é que eu aguentei tanto tempo com vocês - pensou alto a abanar a cabeça. 
- Hey - disse Violet. Bateu com a mão na mesa para fazê-lo reparar nela. - Troy, que tipo de brincadeira é esta? 
- A única brincadeira são vocês sentados nesta mesa a comer e a conviver como se tudo estivesse bem - replicou.
- O que propões, então, génio? - perguntou Melody.
- Descobrir o caminho para a Phjalk Libertyr - respondeu, com a compostura recuperada.
- Como planeias fazer isso?
- Estava na esperança que tu mo dissesses, Kade - respondeu, com um olhar sinistro e sombrio. 


◄◊►



      Troy Evans levantou-se. Acordou bem disposto mas com curiosidade. Olhou em volta e viu um nevoeiro  doce, lilás e suave a galopar num espaço sem limites. Não havia céu ou chão - apenas uma mistura de cores suaves e macias. Sentia-se sereno e calmo. Porém, um vazio misterioso crescia dentro dele a cada passo que dava no desconhecido. Não sabia onde estava mas sentia que não corria perigo. Não via ninguém mas sabia que estava acompanhado. Troy então teve um vislumbre de onde poderia estar. Que lugar poderia ser assim? Apenas e somente um: o Mundo dos Espíritos. 
     Um caminho de pedra começou a formar-se dando uma direcção a seguir. Troy caminhou, sem se questionar. Durante o caminho via pequenos fragmentos de espíritos, ou assim ele pensava. As pedras da via pararam de surgir e por isso Troy parou de andar. Uma figura começou a surgir e ele afastou-se ao ver o rosto a aparecer. 
- Tema - disse, com algum receio. 
- Não devias estar aqui! Não, não, não - Tema avançou e agarrou nos ombros da sua reencarnação. - Conta-me o que aconteceu! O que é que te fez aceitá-lo? Conta-me! 
- O que estás para aí a dizer? 
- Tema - chamou uma voz feminina. 
     Troy olhou para ela. Uma mulher elegante, com cabelos loiros platinados e com olhos tão claros como a própria luz, apareceu atrás de Tema. Trazia na testa uma tiara com o símbolo da Lua e envergava um vestido branco que se harmonizava com o nevoeiro tornando-se num só. 
- Estás tão crescido - comentou docemente. - Oh, Troy... - levantou as mãos como se quisesse abraçá-lo mas conteve-se e uniu-as. 
- Lua, podes resolver isto? - Tema perguntou soando quase desesperado. 
- Receio que não. Apenas ele... Tu, Troy, podes resolver isto - ela avançou para ele e pegou nas suas mãos. 
- O que se está a passar? O que aconteceu? 
- Não te lembras, Troy? - ele abanou a cabeça em resposta, temendo as palavras da Lua. - Tu cedeste ao Saeva.


◄◊►



- Como é que isso aconteceu? Eu... Eu não me lembro de nada - dizia ele, com as mãos na cabeça.
- Essas memórias devem ter permanecido com ele... o teu outro eu.
- E como é que volto? Se estou aqui quer dizer que estou... Morto?
- Não, Troy - disse Lua. - Estás vivo. Mas temo que não tenhas muito tempo.
- Como assim, Lua? - Tema levantou-se da nuvem onde estava sentado (Troy assim achava).
- A alma do Troy foi divida. A parte boa está aqui, e a parte obscura reside com Saeva no teu corpo, Troy, em Qaya.
- O quê? - perguntou ele.
- O Saeva conseguiu fazer com metade da tua alma aquilo que ele pretende fazer com toda ela. O Saeva não te comanda, nunca irá conseguir dominar-te verdadeiramente, mas a metade que reside no teu corpo possui características terríveis. É como se fosse uma versão sombria e cruel tua. O Saeva apenas te fornece poder - Magia Negra.
- Oh, uau... - passou a mão pelo cabelo. - O que é que eu posso fazer? - perguntou, depois de se sentar no que achava ser uma nuvem. Ficou admirado quando percebeu que era superfície sólida.
- Deixamos as coisas como estão.
- O quê!? - disseram Troy e Tema ao mesmo tempo.
- Precisamos que o Troy vá até à biblioteca. É a única forma - respondeu.


◄◊►



- O caminho para a biblioteca é difícil de encontrar - começou Kade. - Vocês estavam a andar em círculos. Nunca iriam chegar lá.
- Está bem. Agora podes passar para a parte que interessa - comentou Troy.
- Eu juro que lhe arranco a língua - murmurou Axel.
- Eu consigo ouvir-te - Troy lançou-lhe um olhar feroz.
- Ainda bem - Axel retribuiu o olhar na mesma moeda.
- Calem-se - ordenou Rouge. - Parecem bebés.
- Para chegarem à biblioteca têm de ir pelos túneis e não pela estrada. Os túneis não podem mudar, mas as estradas podem.
- Como é que eu sei que estás a dizer a verdade?
- Não queiras ir por esse caminho, boneco. Não te vai sair nada bem - disse Rouge.
     Troy soltou uns risinhos.
- Tudo bem. Como lá chego?
- O Jardim das Escrituras contêm a entrada dos túneis. Não é longe daqui. Provavelmente já passaram por lá a caminho daqui.
- É um jardim com uma fonte que permite ver a biblioteca? - perguntou Ryan. Melody tão rápido olhou para ele como desviou o olhar ao relembrar os poucos centímetros que eles partilharam. Ryan nem reparou nos olhos dela postos em si.
- Sim, esse mesmo.
- Ótimo. Mais informações importantes?
     Kade fitou Rouge e depois Axel.
- Não. Mais nada - respondeu, por fim.
- Perfeito - pronunciou a palavra com cautela e um olhar brilhante.
     Troy saiu do quarto e começou a andar para a floresta. Ryan, Violet e Melody saíram de rompante.
- Onde é que vais? - perguntou Melody.
- Para os túneis. Achas que vou ficar a descansar mais um dia como vocês?
- Nós vamos contigo. Deixa-nos arrumar as coisas - pediu Violet.
- Não me façam esperar - disse Troy de costas viradas para eles.
      As gémeas encaminharam-se para o quarto.
- Hey, Troy - chamou Ryan. Troy virou-se. - O que se passa contigo? Que humor é esse?
- Ficaram sensíveis de repente? - Ele tinha um sorriso fino nos lábios.
- A sério, Evans, se isto for uma brincadeira não está a ter piada nenhuma.
- A única piada são vocês - disse, sem sorriso algum. - Agora, se não tens mais nada para dizer, vai arrumar as tuas coisas antes que desista da ideia de deixar-vos vir comigo.
     Ryan e Troy ficaram com os olhos postos um no outro até Violet chamar o primeiro. Ele lá encaminhou-se para o seu quarto deixando Troy com a presença de Violet. Ela aproximou-se. Os olhos dela transmitiam confusão e pareciam que penetravam a pele dele até à alma. Ele estremeceu e afastou-se subtilmente.
- Desculpa - ela tirou o olhar dele.
- Estás a desculpar-te pelo quê?
- Eu lembro-me... - a respiração dela vacilou. - Eu lembro-me do que aconteceu ontem. Mas... - ela hesitou.
- O que foi? - inquiriu, com o coração a bater subitamente mais rápido e com um arrepio frio a subir-lhe pela espinha.
     Violet permaneceu calada. Troy queria ouvir a resposta dela e a espera estava a irritá-lo.
- Desculpa ter gritado contigo de manhã - respondeu finalmente. Não era a resposta que ele ansiava.
     Ele engoliu em seco e respirou fundo.
- Estás pronta?
- Estou. Eu espero aqui contigo - e colocou-se ao lado dele. Os seus braços tocaram-se e a pele de Troy arrepiou-se. 


◄◊► 



- Não precisas de ir, sabes.
     Melody estremeceu ao ouvir a voz do Axel no silêncio do seu quarto.
- Assustaste-me.
- Desculpa - ele aproximou-se e ficou de cócoras ao lado dela. Ela lançou-lhe um olhar rápido. - Não precisas de ir com eles. Eu sei que tens a tua irmã e ela pode ficar também. Há espaço suficiente.
- Por muito que eu goste de acordar com uma cascata a três minutos de mim, eu tenho de ajudar o Troy.
- Ele não quer ser ajudado! - Axel levantou-se. - Não viste a maneira como ele vos tratou?
- Eu sei... Algo se passa - ela abanou a cabeça. - Ele nunca nos falaria assim. Ele precisa de mim, da Vi e do Ryan.
- E se eu precisar de ti também?
     Melody ficou a olhar para ele a processar as palavras dele. O seu coração começou a palpitar demasiado rápido para ela conseguir pensar. Tudo o que ela via era os olhos cinzentos de Axel a brilharem na sua direção e ela não sabia bem o que fazer ou dizer.
- Axel...
- Não precisas de salvar aqueles que não querem salvação, Melody. A minha oferta mantêm-se. Se decidires ir-te embora na mesma, fica mais um dia. Pode ser?
    Ela assentiu, sem proferir palavra alguma. Axel curvou os lábios num sorriso, caminhou até ela, pegou no seu queixo com a mão e ao baixar-se beijou-lhe a testa. Os lábios macios dele marcaram a testa dela com um beijo quente e sentido. Melody fechou os olhos na possibilidade de aquele momento ficar para sempre guardado na sua memória se o fizesse. Depois, Axel saiu do quarto deixando-a com a mente e o coração aos pulos.


◄◊►



- Acho que não devíamos ir hoje.
- Porque não?
- Bem, não sabemos como sair do acampamento sem algum deles. Segundo, não sabemos como encontrar os túneis e terceiro, nada nos garante que vamos conseguir encontrar o caminho para o Jardim sem um dos mapas do Kade - argumentou Melody.
- Onde está ele?
- Acho que ele foi até à cascata com o Pierre pescar - inventou Melody. Ela sabia que ele estava no quarto com a Rouge.
- Então vamos ter com ele - disse Troy, decidido.
- Aa, é melhor não - Melody pegou no braço dele. - Ouvi o Axel dizer que eles não gostam de ser incomodados.
- Problema deles - Troy largou-se de Melody e começou a ir até à orla da floresta.
- Por favor, parem-no - pediu Meloy.
- Evans! - Ryan exclamou. Ele começou a andar e pisou numa pedra. Tropeçou e caiu no chão.
- Ryan! - disse Melody.
- Oh meu Deus... Estás bem? - perguntou Violet.
- Sim - ele virou-se. Viu Troy especado no mesmo lugar com uma expressão vaga e as sobrancelhas carregadas. Ryan fingiu uma dor no tornozelo e gemeu. - Acho que o parti - piscou o olho às gémeas, subtilmente.
- Troy - chamou Violet. Ele veio até eles.
- Ele não pode andar assim.
- Então cura-o.
- Precisamos de colocá-lo numa cama - disse Melody. - Axel! - gritou ela. - Axel!
     Ele saiu do seu quarto. O cabelo dele estava solto e estava a vestir uma camisola verde-sujo à pressa. Os dois colares que usava balançaram no seu pescoço.
- O que aconteceu?
- O Ryan partiu qualquer coisa. Não consegue andar.
- Deve ter sido uma bonita queda - comentou ele. Axel levantou-o e Ryan colocou o braço direito à volta dele. - Parece que não se vão embora tão cedo.
- É, parece - disse Troy. 

Comentários

Mensagens populares deste blogue

my idea of love

Underneath #45

moments