And They Lived Happily Ever After #59



 Luna 



     Depois do funeral da Vénus, eu e a avó decidimos fazer um belo jantar para toda a gente. Comida é praticamente o sinónimo de felicidade.
     Eu e a avó estávamos na cozinha, enquanto que os rapazes estavam na sala que nem uns moribundos, a preparar o jantar. Decidimos até fazer a sobremesa para não permitir que a nossa cabeça pudesse pensar no assunto do momento. A avó estendeu-me uma travessa, agarrei-a e de súbito senti uma tontura que percorreu-me o corpo inteiro e a travessa caiu, tornando-se em mil pedacinhos de vidro. 
- Luna! - ouvi a avó antes de desligar-me.
     A minha visão não era do futuro. Não era uma mensagem como Tema me enviara. Era uma visão do presente que estava a passar-se naquele momento. 
     O Tema e a Vénus estavam juntos de novo a caminhar em direção a uma poderosa luz branca mas então vi o corpo dele deitado junto ao seu caixão. Morto. Tema encontrava-se morto. E então ouvi uma voz familiar. A Lua. 
- Luna, por favor vai ao encontro do corpo do Tema e coloca-o com a Vénus. 
- Porquê? 
- Para que as almas dos dois se reencontrem depois de se reencarnarem. Vais? 
- Vou, eu prometo.





- Luna? 
     Abri os olhos. Estava na cozinha, deitada nos braços de Sol.  
- O que viste? - Sol perguntou. 
- Hum.. - passei a mão pela cabeça a tentar lembrar-me. - O Tema morreu. 
- O quê? 
- Ele matou-se? - o meu pai perguntou, nada surpreendido mas sim preocupado. 
- Não, propriamente. A Vénus foi ao encontro dele, o espírito dela, e então eles partiram os dois para o Mundo dos Espíritos. É o que acho que aconteceu - esperei um pouco até contar-lhes o que a Lua me pediu. Sentei-me. - A Lua pediu-me para ir ao encontro do corpo dele e colocá-lo com a Vénus. 
     O Mercúrio estava de costas com a mãos na bancada e vi-as ficarem em punhos. A avó foi confortá-lo. 
- Eu vou contigo - disse o meu pai. 
- Está bem, obrigada. 
     Sol ajudou-me a levantar e depois prossegui para Vénus.
     O corpo de Tema estava de joelhos, com um dos braços dentro do caixão da Vénus e outro no apoio do mesmo. 
- Fazemos outro caixão para ele ou? 
- Podíamos acrescentar mais espaço no da Vénus para eles ficarem no mesmo - sugeri. 
- Tudo bem. 
     Movemos o corpo dele para o outro lado e criámos um anexo ao caixão da Vénus. O meu pai sentou-se junto a uma janela e ficou a olhar para as estrelas enquanto eu enchia com flores aquele anexo. Assim que terminei, ele colocou o corpo do Tema ao lado da sua Tal e fechamos o caixão. Uma vez fechado, surgiu uma luz branca vindo dele e eu soube que tinha cumprido o desejo da Lua.
     Eles iriam reencontrar-se na sua próxima vida.  



3 anos depois 



     Os meus olhos estavam tapados por uma écharpe. Sol tinha-me arrastado de casa no meio da semana para me abstrair do trabalho. Depois de tudo passar, decidi, obviamente, voltar a trabalhar. Ainda preciso de comprar os meus sapatos com o meu dinheiro e não com a herança dos Brown. Aliás, depois de tantos meses sem sequer colocar os pés na redação fez-me apreciar o local onde trabalho, apesar de ser negócio de família. 
- Já posso tirar isto dos olhos? 
- Ainda não - Sol tinha as suas mãos nos meus braços a conduzir-me para o seu local secreto. - Tira os sapatos. 
- Estás doido? 
     O sorriso na sua voz era óbvio.
- Apenas tira os sapatos. 
     Completamente hipnotizada pela sua voz, tirei os sapatos.
- Podes dizer-me agora onde estamos? 
- Vê por ti própria. 
     Tirei a écharpe do rosto e vi um maravilhoso campo de flores selvagens, brancas e lilás, onde o pôr do sol surgia mesmo à nossa frente com montanhas a saltar no horizonte. 
- Isto é lindo, Sol - murmurei, inalando o cheiro do campo.
- Gostaste? 
- Adorei, obrigada - coloquei-me em bicos de pés e beijei-lhe as bochechas.
     Comecei a correr pelo campo, a rir, a sentir o aroma das flores, os últimos raios de luz a acariciarem-me o rosto, a brisa a esvoaçar pelos meus cabelos.
- Anda! - exclamei.
     Sol correu para mim e agarrou-me pela cintura. Elevou e rodou-me. Estava a perder-me por aqueles olhos, outra vez, até ele pousar-me no chão e ficar com uma expressão demasiado séria para aquele momento especial.
- Está tudo bem? - perguntei.
     Ele assentiu. Sol estava nervoso por algum motivo.
- Hum.. Eu preciso... Eu preciso de te perguntar uma coisa.
     Sorri com o nervosismo dele e depois o meu sorriso desapareceu. Sol ajoelhou-se e abriu uma caixinha de veludo azul que guardava um anel prateado. O anel tinha duas ovais recheado de pedras azuis, depois um outro redondo, de cada lado, e no meio um magnifico diamante. A minha mente paralisou.
- Luna, darias-me a honra de casar contigo?
     O meu coração acelerou tanto que julguei que ele sairia do meu peito. Sem querer, já estava a chorar de felicidade e com um sorriso tolo espetado no rosto.
     Assenti. Foi a única coisa que consegui fazer.
- Claro que sim! Sim! - respondi finalmente.
     Ele levantou-se e abraçou-me.
     Afastei-o um pouco e dei-lhe um beijo. 
- Só para que conste, quero no mínimo quatro filhos - propôs ele.
- Que tal cinco? - sorri-lhe e beijei-o de novo.





     Quatro meses depois, após muitas noites sem dormir, de muita cafeína, dieta e dores de cabeça, o casamento aconteceu. A cerimónia teve lugar num belo jardim, com alguns amigos do escritório, família e o resto dos Planetas. Eu não tinha dúvidas de que iria passar o resto da minha vida com o Sol, mas poder celebrar a eternidade do nosso amor foi algo que me deixou bastante feliz. Toda a gente fez discursos. Uns mais engraçados que outros mas sempre carinhosos. Dançámos bastante, fossem elas músicas calminhas ou mexidas. A pista de dança nunca esteve vazia.
     Mercúrio praticamente arrastou a avó para ir dançar e desde que colocou os pés na pista de dança, nunca mais saiu. O meu pai ofereceu-me um colar da minha mãe, que fiz questão de usá-lo nessa noite tão especial e levou-me ao altar. Apesar dele parecer muito novo para ser meu pai, ninguém contestou o sucedido. Quase toda a gente julgava que ele era meu irmão o que foi alvo de muito riso entre os Planetas.
      Foi uma das melhores noites que tive e terei. 
     A vida de casada não é muito diferente da vida de namoro. Pelo menos para mim não foi. A única coisa que mudou foi o facto de Sol deixar as toalhas em tudo quanto é canto e de passar o ser o chef cá de casa.
     Depois de fazermos um ano de casados decidimos dar o próximo passo: ser pais. Eu já tinha 25 anos e Sol... Bem, ele mal podia esperar. Não tínhamos a certeza absoluta se poderia engravidar, mas como a avó e a minha mãe conseguiram, presumimos que eu também conseguiria. (Nunca percebi bem as dúvidas de Planetas e humanos/outros Planetas poderem engravidar ou não mas acho que um Planeta com uma crista lilás lançou esse rumor para o seu beneficio há milénios atrás.)
     Após um mês de tentativas, finalmente engravidei. Eu e Sol decidimos que não queríamos saber o sexo do bebé, ou melhor, os bebés. Estava grávida de gémeos. Quando Mercúrio soube, fez uma festa que durou a minha gravidez toda. Foram nove meses de surpresas, sendo que tive desejos loucos muitas das vezes (mas sem qualquer tipo de problema visto que tenho um marido que consegue teletransportar-se para todo o lado) e dores insuportáveis. Mas houve semanas calmas, em que estar a carregar dois bebés na minha barriga parecia o meu único propósito.
     Antes dos bebés nascerem, decidimos comprar finalmente uma casa só para nós. Pensámos em construir uma ao nosso total agrado, mas encontrámos a perfeita, mesmo junto à praia. (Bem longe da casa da avó, o que fê-la ficar muito chateada connosco durante duas semanas.) A avó insistia que seria um casal e que era melhor decorar o quarto com cores que dessem para ambos os sexos mas algo dizia-me que iam ser meninas. Por isso, decidi comprar maior parte das coisas num tom bonito de laranja e lilás. Alguns meses mais tarde, a minha teoria confirmou-se.
     Duas meninas nasceram e, a mais velha por alguns minutos, tinha a marca do planeta Vénus e a mais nova a marca de Marte. Até então eu e Sol não tínhamos entrado em consenso com nomes apesar de termos a noção que elas acabariam por tornar-se Planetas.
     Violet e Melody.
     Confesso que nunca fui muito chegada à Vénus, mas quis que o nome da minha bebé tivesse a inicial do seu planeta e consequentemente, do seu nome. Para a mais nova, quis que ela tivesse algo da minha mãe no nome - Mel - e por isso decidimos que se chamaria Melody. Assim que as chamámos pelos nomes escolhidos, houve uma sensação de certeza, de aqueles eram os seus nomes.
     Apesar de serem idênticas nas feições, Violet tinha um tom de cabelo mais ruivo que a Melody, sobressaindo a alma da sua antepassada. Ambas tinham o nariz do Sol e a mesma cor de olhos: um tom de âmbar brilhante com toques de azul. Acho que é bastante óbvio que o meu pai e o Mercúrio se afeiçoaram bastante a elas , ensinando-lhes várias coisas acerca dos poderes delas e o que eram capazes de fazer. Os dois viam nelas a sua Irmã na Violet, a sua Tal e filha na Melody. Quando chegou à altura de lhes contar o nosso mundo, elas aceitaram-no surpreendentemente bem porque sempre souberam que eram diferentes dos outros e que um dia teriam de aceitar as suas responsabilidades de cuidar do Planeta de cada uma. Várias características da minha mãe e da Vénus se manifestavam nas nossas meninas - como o facto de terem renascido gémeas, irmãs -  e eu adorava. Eu e Sol adorávamos.
     A ideia de ter cinco filhos foi aniquilada depois de passarmos meses com a choradeira destas duas até às tantas da madrugada. Contudo, não trocava esses meses de desassossego e noites sem dormir por nada deste mundo. Depois de tudo o que passámos, conseguimos ter uma vida normal. Normal o suficiente para termos tudo o que precisávamos. E eu não me arrependo de nada, independentemente do que aconteça.

Fim

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