Underneath #18

- Repete lá, por favor. Acho que não estou a perceber bem - dizia ele enquanto Troy lhe explicava acerca do Tema e das gémeas. - Como assim és a "energia vital duma galáxia"? - Fez aspas com os dedos. 
- O que tu viste à bocado é prova disso - respondeu-lhe o melhor amigo. 
- E vocês são... Planetas? - dirigiu o olhar para as gémeas que assentiram. 
- Somos - Violet respondeu. 
     Ryan não estava a acreditar na palavra delas. Melody já estava farta do olhar que ele lhes lançava - como se fossem loucas. E depois para o melhor amigo, Troy, fitava-o compreensivo. Violet, com o olhar, dizia-lhe para não fazer nada de irracional, mas aquele rapaz alterava-a de uma maneira inexplicável. Algo também lhe dizia que o seu humor não ajudava mas logo calou a voz da sua consciência. 
     O silêncio pareceu consumir os quatro, só podendo ouvir o som dos passarinhos a cantar e se escutassem atentamente, o som da vila em movimento. Troy encarou as irmãs a pedir ajuda, como um cachorrinho perdido. Melody que não suportava mais o olhar de coitado do Troy e o olhar agressivo de Ryan decidiu a sua ação. Ela avançou o suficiente para estar perto dos dois rapazes e levantou a saia do vestido cuidadosamente para não revelar demasiado e disse: 
- A minha marca está aqui. Gravada na minha pele para sempre e se quiser, pode brilhar. 
     Violet colocou a mão na cara, mais aborrecida que chocada. Troy ficou surpreendido e Ryan simplesmente aparvalhado. No entanto, os últimos dois olharam para a marca. Parecia ter sido feita com tinta que, com o tom de pele dela, estava gravado num pedaço de pergaminho. 
- Mel, acho que eles já perceberam - disse-lhe a irmã. Melody baixou a saia e sentou-se num tronco cortado. 
- A minha tu já  viste - disse Troy, a desviar a atenção de Melody. - Tenho-a desde que nasci. 
- É aquela marca que tens no peito? 
- Sim. E como a Melody disse, a minha já brilhou. Duas vezes, penso eu - Ryan parecia à deriva sem possibilidade de alcance. - Ouve - começou Troy, - eu não sei que mais te contar. Já te disse tudo o que sei sobre ele. Agora cabe-te a ti acreditar em mim, ou não. 
- Eu acho que acredito. Mas é muito para absorver, não achas?
- Acho. Eu próprio penso que ainda não o fiz. Mas há mais - acrescentou.
- Como assim?
- Eu disse-te que o Tema não foi uma pessoa de paz - Ryan assentiu em concordância -, e isso levou-o a criar inimigos e neste caso, inimigos-aliados - disse. - Um desses inimigos-aliados é a Escuridão, com E maiúsculo. E para adicionar há minha brilhante sorte, um dos planetas da galáxia do Tema, amaldiçoou-me. Quando fizer dezassete anos, a Escuridão vai apoderar-se de mim para usufruir do poder da sua antiga Estrela da maneira que bem entender - Ryan tapou o rosto com as mãos. - Ryan. Ryan?
     Ele fitou Troy. Transmitiu-lhe pelo olhar a confusão que ia na cabeça dele. Haveria realmente algo como a Escuridão com um E maiúsculo? A Lua e o Sol eram realmente amantes com duas filhas gémeas que se dizem ser Marte e Vénus? Troy seria mesmo uma Estrela principal? O que raio era isso, afinal? Que realidade era esta? E magia? Isso realmente existia?
- Ryan, senta-te - pediu-lhe Violet. - Deixa-me contar-te tudo. Pode ser? - Ela pegou-o pelo braço e fê-lo sentar-se. Olhou para Troy de soslaio que fitava o seu amigo com algum desespero.
- Vou-te contar o que sei pela minha bisavó, pela minha mãe, pelos diários deixados por elas... Posso não te contar a história toda mas eu também não a sei. Nenhum de nós sabe e agora, só precisamos que oiças e compreendas. Está bem?
- Sim - disse ele, receoso mas determinado em ouvir tudo.
- O Tema é a Estrela Vital duma galáxia não muito distante da nossa. Assim como o nosso pai, o Sol, ele dá vida e luz a uma galáxia. Mas, talvez por domínio da Escuridão, talvez por ser realmente um monstro, ele queria matar o nosso pai para ficar com todos os Planetas do Sistema Solar porque isso o faria mais forte. Teria mais luz, mais energia, mais tudo. Seria ainda melhor que o nosso pai. Quando a batalha foi travada, ele perdeu. Morreu e reencarnou no Troy que acontece ser igual a ele fisicamente. E com a alma do Tema dentro dele isso o faz a Estrela Vital de uma galáxia. Ele pode não ter o poder que o Tema teve originalmente, mas tem o suficiente para saciar a Escuridão e a vida de Planetas durante séculos ou muito mais. O que sabemos a cem por cento, é que Noir, um dos Planetas da galáxia do Tema, amaldiçoou o teu melhor amigo a um destino de sombras e Escuridão sem qualquer retorno. Ele já foi consumido pelo Saeva, um espírito negro, uma vez - Ryan arregalou os olhos levemente. Violet levantou a voz de maneira a que ele não desviasse a sua atenção. - E apesar de não termos o tempo que gostaríamos, ainda conseguimos salvá-lo e possivelmente, a nossa galáxia - disse. - O teu melhor amigo e a tua galáxia.
- No que te foste meter, Evans - disse ao passar as mãos do rosto ao cabelo.
     Respirou fundo, como se estivesse a absorver tudo o que a Violet disse. Pousou as mãos nas coxas e foi alcançado por um turbilhão de pensamentos. Se o seu melhor amigo consegue criar gelo e luz com as mãos, como não podia existir algo que queira destruir isso? Aliás, como é suposto ver esse algo destruir o seu melhor amigo sem tentar, pelo menos, evitá-lo? Ele e Troy tinham uma jura de amizade incompreensível. Era algo tão forte que lhe dava paz naqueles noites de agonia no hospital e Ryan não ia desistir disso. Nunca mais. Foram seis anos que merecem ser recompensados e este era o momento para tal acontecer.
- Eu não vou deixar-te encarar isto sem mim - disse. - Nem penses nisso - fitou os olhos azuis esverdeados do amigo. - Não vou dizer que acredito nisto tanto quanto tu, mas eu não quero deixar-te sozinho nisto. Se vais combater esse... Qual o nome dele mesmo? - Violet sussurrou-lhe a resposta - Sim, este Saeva, eu vou ajudar-te no melhor que puder.
     Ryan era o único que podia esquecer-se de algo tão crucial como o nome do seu principal inimigo e fazê-lo parecer engraçado. Troy aproximou-se dele e perguntou-lhe seriamente:
- Estás comigo nisto?
- Acabei de declarar-me a ti à frente delas e tu ainda perguntas isso? - Sorriu presunçosamente. - Sempre, Evans. Estou sempre contigo.
- Temos um mar para...
- Cala-te - e encurralou a cabeça dele com o braço e fez-lhe pressão no cabelo com a mão. Ele não conseguia ver mas Troy apresentava um sorriso de orelha a orelha.


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- O que te deu na cabeça para levantares a saia, Mel? 
- O que queres? Ele não estava a acreditar numa palavra que saía das nossas bocas. E para que conste, tinha calções próprios para usar debaixo dos vestidos. E que diferença isso faz agora? - Acrescentou. - Não é como se tivesse pousado nua para eles. No final correu tudo bem. 
- Disso já não tenho tanta certeza.
- O que queres dizer com isso? - Elas pararam de andar. 
- Confias no Ryan como o Troy confia? - Melody não lhe respondeu. - Pois. Mas, colocando isso de lado, o que fazemos com ele? Como é que ele nos pode ajudar? 
- Não sei. Sinceramente, acho que isto é uma coisa que o Troy tem de lidar. Se as ideias dele forem demasiado estúpidas podemos sempre acordá-lo para a vida - encolheu os ombros. Começou a andar de novo mas Violet não a acompanhava. - O que se passa? 
- Se o Troy não teve problemas em contar ao Ryan, o que irá ele fazer se a Catarina tiver um relance do que nós somos? E se ela também nos apanha a praticar? Ou pior: e se o Ryan lhe conta? Mel, não podemos estar a contar a nossa vida a todo o ser vivo. 
- Não penses nisso. Até eu sei que o Troy não é assim tão burro para ir contar à Catarina sobre isto sem ela o descobrir. 
- Porque não quer colocá-la em perigo? 
- Sim. Eles namoram e acho que se conhecem desde crianças. Quase como eu e tu, pondo de parte o namoro. Ele a protegeria com a vida, como eu a ti - respondeu.
      Melody virou-se contra ela. 
- Pois. Com a vida - Violet murmurou baixinho. 
- Disseste algo? - Voltou-se ligeiramente para fitá-la. 
- Temos de ir andado - suspirou. - A luz está a desaparecer. O pai deve estar a chegar. 
- Vamos - disse Melody e as duas caminharam para casa lado a lado. 


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     A luz não tinha completamente desaparecido quando uma chama dançante surgiu no quarto. Sol chegara a casa como um pai normal chega ao final de um dia de trabalho - cansado e com problemas nas suas costas. Luna não estava em casa, ainda. Voltara ao trabalho finalmente depois de ter passado vários dias em casa após a morte da Mondy. As suas filhas não estavam presentes. A casa estava num absoluto silêncio até que ele ouviu um tilintar familiar percorrer o corredor até ao quarto principal. Cosmo, filho de Persifal - gato da Luna desde os seus 21 anos - entrara pelo quarto como que a pedir festinhas. Sol, conhecendo bem os seus gatos, sabia que Leslie não podia estar muito longe visto que Cosmo e ela eram inseparáveis. Uns segundos mais tarde, a gata branca com largas manchas escuras apareceu e aninhou-se à perna do dono e roçou a cabeça no pescoço do gato cinzento escuro, Cosmo. Ele baixou-se para lhes mimar um pouco e encaminhou-os para a cozinha onde reencheu as tigelas dos gatos. Persifal podia ficar dias sem vir a casa. No entanto, as suas crias já não. Leslie e Cosmo eram apenas dois da família de seis. A progenitora já morrera e só restavam as crias e Persifal que já era demasiado velho para viver mas com muita energia ainda para gastar. Mondy e Violet de certeza que tinham colocado as mãos nele para lhe curar qualquer doença que o possa levar à morte e por isso o gato aprecia a boa vida de ser um animal doméstico sem ter filhos pequenos para lidar. 
     Sol foi para o jardim e assobiou. A brisa leve de maio levou o som até ao ouvido dos bichos que um pouco mais logo apareceram. Malmequer, Apolo e Nyx entraram pela porta das traseiras e encaminharam-se para as tigelas com comida e água. Em seguida, Sol colocou o seu disco preferido a dar enquanto cozinhava o jantar para a sua esposa e as suas filhas. Os legumes saltearam-se, a carne cozinhou-se e o relógio marcava as oito horas e nem sinal das três. Sol estava cansado, sentia uma dor no pescoço estranha e uma vozinha no fundo da cabeça dizia-lhe para ir descansar um pouco. Deitou-se no sofá aquecido por Nyx e Cosmo e Leslie e esperou por elas até adormecer... 
     
   
     Ouviu-a não pelos sons que emitia mas pelos sentimentos que sentia. Uma agonia, desespero e alarme assolaram-no e Sol levantou-se. Ele nem precisou de focar a visão para ver a sua mulher ajoelhada no chão, com olhos brancos e uma expressão aterrorizada. A luz da Lua pintava a sala em tons de prateado e ao ajoelhar-se junto a Luna, Sol conseguiu ver o que ela via. Algo que eles aperfeiçoaram ao longo dos anos foi partilhar as visões. E então, ao concentrar-se e ao agarrar nas mãos dela, Sol presenciou a visão com ela.
     Melody e Violet estavam em perigo. A primeira estava a ser atacada por demónios e de relance viu Troy com os seus amigos a protegê-la das criaturas negras. Antes que a visão terminasse, Sol conseguiu distinguir a familiaridade daqueles demónios aos verdadeiros negros e sombrios demónios que se levantam das profundezas do Submundo e subitamente tudo clareou na sua cabeça.
     Luna acordou e respirou aceleradamente. Focou-se em Sol que agarrava nas mãos dela e a fitava. Bastou um olhar para eles perceberem o que cada um pensava.
- Elas já teletransportaram-se - murmurou Luna. - E a Melody não superou o teste. Sol, sabes o que isto significa? - perguntou já sabendo a resposta, com a respiração a não querer voltar ao normal.
- Nós temos de falar com elas, Luna. Senão vamos perdê-las para sempre.
     Luna baixou levemente a cabeça e colocou as mãos na cara. Começou a chorar baixinho. Sol abraçou-a sob aquela luz prateada. Eles perceberam que talvez tenham feito tudo errado e por isso as suas filhas pagavam agora o preço. 

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