Underneath #10

     Troy riu-se. A sua gargalhada ecoou pelo alpendre inteiro causando olhares confusos entre os Brown. Troy respirou fundo e passou o antebraço pela cara, limpando as pequenas lágrimas que queriam descer pelo seu rosto. 
- Ok, vocês quase que me apanharam - disse ele finalmente. 
- Troy, eu não acho que estejas a perceber - começou Melody. 
- Oh, eu estou sim. Estrela central - murmurou e soltou um risinho. - Acho que sim. 
     Ele estava tão descontraído que quando Sol bateu com a mão na mesa ele podia ter ido à Lua e voltado. Quase pensou que a mesa se ia rachar, mas não o fez. Num sobressalto, Troy fitou os olhos âmbar de Sol e engoliu em seco. O seu corpo emanava um calor intenso. Sol estava zangado e o pior de tudo é que a sua raiva dirigia-se toda para si. 
- Pai, por favor - Violet interveio.  
- Não te metas, Violet - Sol virou-se para Troy - Nós os dois vamos dar uma volta.  
     Sol agarrou no braço de Troy e uma luz dourada rodopiou à volta deles. Troy encarou o olhar de Sol e de repente sentiu os seus pés levantarem do chão. Ele começou a sentir um nervosismo nascer na barriga. Um frenesim de emoções dançavam à flor da sua pele. Troy foi puxado com uma força sensacional para cima sobrevoando a casa das gémeas, a vila, o país, o continente, o mundo... A adrenalina cavalgava nas suas veias. Ele olhou para cima e ouviu Sol dizer que devia fechar os olhos mas ele não fechou. Deixou-os bem abertos e deixou uma luz branca enchê-lo de energia. Troy sentiu-se como se estivesse no mar a apanhar a maior onda da sua vida. Sentiu-se vivo e limpo. Como se aquela luz fosse uma gigante onda de ar e água fresca a lavá-lo de todos os males. A luz que os envolvia desapareceu e os dois pararam. E então ele viu aquele mar gigante de estrelas.  
- Uau. Nós estamos...
- No Espaço. 
- Nós? No Espaço? Uau... Eu devo ter mesmo batido com força a cabeça - murmurou baixinho. 
- Troy, como achas que consegues respirar aqui sem ter um fato apropriado? Visto que és um humano normal, certo? - Sol começou. Troy colocou a mão no peito a verificar a sua respiração. - Explica-me então como tu consegues ver que nem todos os planetas estão na galáxia e aquelas máquinas não? E o mais importante, diz-me porque é que a tua marca está a brilhar por detrás dessa t-shirt. 
- A minha...? - Troy nem precisou de tirar a t-shirt para confirmar. O símbolo brilhava com tanta intensidade que pintou o rosto de Sol com traços de azul. Mas como? Porquê? 
- O que é preciso fazer mais para acreditares? É aqui que pertences. 
- Mas eu não acho que seja.
     Em dois segundos Sol tinha sorrido e voltado à expressão zangada. Troy começou a ficar nervoso e as palmas das mãos começaram a suar. Sol aproximava-se dele de mansinho.
- Desculpa. É para o teu bem - declarou enquanto estalava os dedos.
- O que...
     O punho de Sol encontrou o rosto dele e Troy caiu para trás. A principio só sentiu o choque do murro mas logo depois começou a doer-lhe o maxilar. O seu olhar encontrou o de Sol que estava tenso. Parecia que ele não queria fazer isto mas era uma necessidade. Oh, dar-me porrada é uma necessidade? Excelente, pensou.
- Sol...
- Não fales - Sol pegou na gola da t-shirt e atirou-o mais para longe. Assim que ele levantou-se, atingiu-o com outro murro. Troy estava a sangrar pelo nariz. Tinha dois cortes, no mínimo, no lábio. Ele sofreu um murro na barriga, outros na cara, um pontapé. Troy estava quase acabado. Não se conseguia levantar. Sentia o seu olho a inchar, o corpo a falhar e uma vontade enorme de fechar os olhos. Talvez ele devesse.
- Não te atrevas a fechar esse olhos. Não adormeças, Tema.
     Tema. O tal nome de novo.
    Os seus olhos começaram a ceder... Não! Mantêm-te acordado! Mas não era suficiente. Os seus olhos não o queriam obedecer. Mantêm-te acordado... Mantêm-te...  
     Ele ouviu Sol gritar o nome dele. Soou como um eco. E então ele deixou-se adormecer ao encarar uma linda estrela branca. Brilhava tão intensamente, Troy não evitou o sorriso. Parecia que brilhava só para si. Lentamente, ele foi se apercebendo da familiaridade que tinha com aquela luz. Ele cerrou os olhos e viu uma figura feminina naquele mar branco e foi transportado para um outro cenário onde se encontrava a mesma luz. Ele sentiu-se muito feliz de repente.
- Ainda queres que te leve comigo? 
- Mais que tudo - ele respondeu.
     Aquele olhar era-lhe tão familiar. A cor de rubi dos seus olhos que ficaram cravados para sempre na sua memória... Na sua memória...
     Troy abriu os olhos num sobressalto. Estava ofegante, suado e dorido. Ele sentiu uma mão quente no seu ombro. O pânico alastrou-se nele. Troy virou-se logo.
- Calma - Sol sorriu-lhe, preocupado. - Sou só eu.
- O que aconteceu? - Inquiriu a passar a mão pelo cabelo suado.
- Desmaiaste. Mas vais ficar bem - respondeu Violet.
- Explica-me outra vez porque quase o mataste? - Melody dirigiu-se para o seu pai.
- Sim, gostava mesmo muito duma explicação - pediu Troy.
- Bem - Sol respirou fundo -, tu estavas a ter dificuldades a acreditar em quem és portanto tive que te relembrar. Eu e o Tema fomos inimigos por bastante, bastante tempo. E a única forma de eu accionar memórias tuas era deixar-te nesse estado.
- Pois mas isso só resultou na quase morte dele, pai - interveio Violet.
- Hum... Detesto admitir mas a teoria do teu pai deu resultado - fitou os olhos de Sol. - Foi só por um breve momento.
- Desembucha - disse Melody.
     Troy assentiu.
- Estava escuro... Mas depois apareceu uma luz branca. Nessa luz estava uma mulher e quando coloquei os olhos nela senti-me muito feliz. Não sei porquê. E ela perguntou-me algo... - pausou a tentar lembrar-se. - Sim, ela perguntou-me: ainda queres que te leve comigo? Ao que respondi: mais que tudo.
- Foi na noite em que morreste que isso aconteceu.
- Eu já tinha visto esta mulher noutros sonhos, visões ou o que quer que isto seja.
- Ela tem olhos vermelhos? Longos cabelos ruivos?
- Sim. Como sabe?
     Sol levantou-se. Estava preocupado outra vez. Começou a dar voltas pela sala que foi engolida num silêncio estranho. Troy recostou-se no sofá. Respirou fundo enquanto revivia todos os momentos da sua vida que podiam ter sido retirados dum filme de ficção. O afogamento. Saeva. Estar prisioneiro na sua própria cabeça. Homens que apareciam por uma luz. Ir ao espaço... Isto já era demais para acreditar. Mas ele não tinha outra alternativa senão ir com esta história. Fosse real ou não. Ele já estava demasiado envolvido para ignorar as sombras na rua, as luzes no céu noturno. Se calhar ele era mesmo o tal do Tema. Talvez quando a marca no seu peito brilhou foi a confirmação para todos e para si mesmo essa identidade. Mas se ele é essa pessoa, o que é feito dos seus pais no meu disto tudo? Eles são humanos normais, disso tinha a certeza.
- Sou mesmo filho dos meus pais? - Questionou quebrando o silêncio na sala.
- És.
      Troy suspirou de alívio. Uma coisa normal na minha vida, pelo menos.
- Violet, continua a tratar dele.
- Onde vais?
- Falar com a mãe.
     Violet levantou as duas mãos e posicionou-as no peito despido de Troy. Ele fitou-a confuso.
- Não te preocupes. Não te vou fazer nada de mal.
     Por baixo das suas mãos surgiu uma fina camada fresca prateada. A camada movia-se consoante as mãos de Violet e a dor foi desaparecendo a pouco e pouco. Troy suspirou aliviado.
- A avó ensinou-se. Não é um dom que nasce connosco, a não ser que sejas a Terra. É muito útil. Eu e a Mel magoava-mo-nos a toda a hora. Todos os dias tínhamos uma ferida nova. - Sorriu. - Portanto aprendi o truque com a avó... - a voz dela ficou fraca. Troy tocou-lhe na mão tão instantaneamente que o surpreendeu. Os seus olhares cruzaram-se. Os dois coraram um pouco, Troy tirou sua mão da dela e Violet terminou o processo mais rapidamente. Nenhum dos dois sabia o que dizer, se é que deviam dizer alguma coisa de todo.
- Não te mexas. Podes abrir a ferida de novo. Vou procurar a Melody, não me demoro.
- Hum, ok, está bem - as palavras tropeçaram na sua boca.
     Troy suspirou. Estava louco. Corar pela Violet. Catarina tem confiança nele e ele não pode perder essa confiança. Mas ela era diferente. São os olhos. Aqueles olhos que carregam o mundo que ele não devia desejar sobrevoar. Suspirou de novo. Doí-lhe um pouco as costelas. Se se mexesse um milímetro ele podia jurar que ia morrer.
     Uns momentos depois Violet voltou com Melody e encheram-no de perguntas. Não relacionadas com a marca dele ou os seus sonhos, mas com a vida normal que ele tem em Crystal Waters. Melody fartou-se de falar bem dos cavalos em Crystal Riders e o único problema era mesmo ter de ver o Ryan todos os dias.
- Não sei como consegues aturar aquele mimado - dizia ela.
     De cada vez que um resmungo saía da boca dela Troy não continha o sorriso. Assim como a Violet. As horas foram passando até ser hora de almoço. Sol preparou algo rápido e as gémeas e ele almoçaram na sala enquanto dava um filme na televisão. Nenhum dos três ligou ao filme visto que estavam demasiado entretidos na conversa. Eventualmente o tema foi-se dirigindo para a família das gémeas e foi a vez de Troy de fazer as perguntas.
- Então, o vosso pai é mesmo o Sol e a vossa mãe a Lua?
- Bem, sim e não - respondeu a Melody.
- O nosso pai é mesmo o Sol, a sua personificação é a primeira e única. Mas a nossa mãe vem de uma linhagem de representações da Lua, ou seja, a Lua tem a sua forma e a nossa mãe é somente uma porta-voz, digamos.
- Quer dizer que todos na família na tua mãe já tiveram alguém que representa a Lua?
- Quase isso. Porém, nunca existiu um homem na família que representasse a Lua. Que nós saibamos, pelo menos.
- E como ninguém é realmente a Lua, são humanos mesmo, como os teus pais ou até tu, envelhecem e morrem.
- Até eu?
- Sim - respondeu Violet. - Nós não sabemos se és capaz de viver como nós.
- Como assim?
- Nós somos Planetas. Contemos a sua alma. O planeta em si e o nosso corpo e alma são um só. Logo, um não pode existir sem o outro. É por isso que existe a reencarnação. É por isso que eu e a Vi somos agora Marte e Vénus. Consequentemente, temos poderes, controlamos certos elementos característicos do nosso planeta e nesses poderes há o controlo sobre o tempo, a velhice.
- Podemos viver durante milhões de anos, Troy. Mas não somos imortais.
- Então qualquer coisa pode vos matar?
- Sim, mas quando atingirmos a maioridade não. Podemos curar-nos.
- Mas há coisas que não se pode curar. Como arrancarem-nos a cabeça, o coração... Sei lá. Por exemplo, com a Mel, a nossa avó e a minha antecessora, morreu devido a várias complicações. Foi por perder muito sangue no parto bem como estar emocionalmente devastada. A alma dela não aguentou.
- Ok. Mas onde eu encaixo nisso tudo? Quero dizer, o Sistema Solar já tem uma estrela principal. Chama-se Sistema Solar por essa mesma razão.
- Troy, não sabemos. Parece que os nossos pais nos andam a esconder tudo ultimamente.
- Desde que apareceste que causaste um grande conflito entre os nossos pais e o Cury.
- Cury?
- Lembras-te do homem que apareceu aqui no dia em que a vó morreu? Pronto, é ele - respondeu Violet.
     Troy soltou um som de compreensão.
- O Sol tem uma mãe? - As gémeas riram-se. - O que foi? - Sorriu para elas contagiado pelo riso.
- Nós estamos a confundir-te. A Mondy é a nossa bisavó. A Mel é a nossa verdadeira avó, mãe da nossa mãe só que ela morreu. Então tratamos desde sempre a Mondy por vó - Troy sorriu com o embaraço.
- Como estávamos a dizer, criaste um grande conflito com o Cury
- Também conhecido por Mercúrio - adicionou Violet.
- E os nossos pais - Melody continuou o raciocínio - Não sabemos exactamente porquê. Eles fazem questão de ter as conversas deles lá em Cima quando topam que eu ou a Vi estamos a ouvi-los. Mas já percebi que o Mercúrio não é propriamente o teu fã número um. Quando digo teu, digo do Tema.
      Troy assentiu. Já tinha outro assunto para se preocupar na sua crescente lista.
- Não te lembras de nada dele?
- Não... Só sei que nós os dois somos idênticos. Não acho que eu seja como vocês. Posso ter algo relacionado com ele, mas não sou poderoso como o vosso pai. Não retenho assim tanto poder. É impossível. Algo assim já devia ter-se manifestado, certo?
- Acho que sim. Especialmente porque já foste prisioneiro no teu próprio corpo. Isso deveria ter accionado algum poder.
     Eles ficaram a matutar durante um pouco até que Troy lhes fez uma pergunta que lhes soou um pouco ofensivo.
- Posso ver as vossas marcas? - As gémeas entre-olharam-se. Ele não percebeu o porquê do quase escândalo. - As vossas também estão no vosso peito?
      Violet respondeu-lhe.
- Não. Cada Planeta tem um lugar especial marcado no corpo. As nossas estão perto das ancas. Mas não te vamos mostrar.
- Tudo bem.
- Mas a nossa não é como a tua - observou Melody. - Na verdade, a nossa não tem nada a ver. Vi, olha como a dele parece que é mesmo uma marca da pele.
- Tens razão... A nossa marca é como uma tatuagem. Parece mais natural que uma tatuagem, mas é marcada a preto e não é tão pequena como a tua.
- A tua quase se assemelha ao tamanho de uma moeda de dois euros. A nossa já é maior.
- O que quer dizer que não sou um quarto do que vocês são.
- Não digas isso. Tu és muito mais que isso.
- Se não fosses, não estarias nesse estado.
- Como a Mondy disse, há mais da minha história do que eu sei. Só que começo a duvidar que seja boa. 

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