Underneath #6

     Estava escuro e frio. Cada respiração gelava no ar à sua volta. Troy estava a tremer com as mãos nos braços. Existia uma fonte de luz algures, porém, ele não sabia de onde vinha. Ele não conseguia ver nada para lá das paredes transparentes que o guardavam. Ele ficara rouco de gritar por ajuda, alguém, mas nada parecia ouvi-lo. Se ele estava no seu próprio corpo, Troy não sentia. De vez em quando tinha um vislumbre do que os seus olhos viam, aqueles que agora estão no comando do seu parasita, a Escuridão. 
     Troy achou que estava a sonhar. Escuridão? Como é possível existir uma escuridão materializada? Acorda, Troy, acorda, ele pensava. Mas nada do que ele queria acontecia. Já nem sentia que existia. Já não sabia o que sentia e lentamente, as suas memórias iam-se desvanecendo e um vazio dentro de si se formava, consumindo-o. Acorda
     Um par de olhos brancos surgiu à sua frente. Ele moveu-se para trás. Apesar de sentir-se com medo, Troy levantou-se, encarando aqueles olhos estranhos. 
- Quem és? Onde estou? 
- Tema - uma boca surgiu ao proferir a palavra. A sua voz era ampliada e forte. - Há quanto tempo. 
- Tema? O meu nome é Troy - pausou. - O que se passa? Onde estou? - repetiu. Troy analisou-o atentamente. Os seus olhos não transmitiam nenhuma emoção. Nenhum sinal de... humanidade. - Eu perguntei, onde estou? - disse em tom ameaçador.
     A criatura riu. 
- Troy Evans? É essa a tua nova identidade? Bem, confesso que estou surpreso. O teu cabelo está ligeiramente diferente - comentou. - No entanto, esses olhos não enganam ninguém. 
     Troy começara a pensar se estaria realmente num sonho. A presença da criatura é demasiado real e tenebrosa para ser uma criação da sua cabeça. Ele, só depois daqueles olhos se aproximarem, percebeu que o monstro era, de facto, uma espécie de fantasma. Um fantasma negro e opaco, tão escuro que só depois de ser atingido por um raio de luz deu a descobrir o seu corpo. Troy reparou que na luz os seus olhos viravam mais escuros, tornando-se pretos aos poucos. A criatura infiltrava-se com o espaço, de tão negras que eram as paredes e o seu corpo.
- O que estou a fazer aqui? 
- Não brinques comigo, por favor - o fantasma aproximou-se de Troy, estando a centímetros dele agora. - Eu sei que as tuas memórias estão lentamente a desaparecer, no entanto, também sei que guardas a memória mais importante de todas dentro dessa tua cabecinha - o toque do monstro despertou-lhe calafrios. 
- Não me toques.
     A criatura afastou dele rapidamente, voltando para o seu local de origem. 
- Vais ficar aqui muito tempo portanto acho que devias ao menos saber o meu nome. 
- Deixa estar, prefiro saber quando pretendes soltar-me. 
O fantasma riu-se.
- Isso agora depende somente de ti, Troy Evans. Chama-me Saeva.
     O rapaz tirou o olhar da criatura parecendo enojado. Depois do fantasma abandonar o lugar onde estava cativo, Troy sentou-se num canto com os joelhos junto ao peito. Mal conseguia ver as suas próprias mãos. A cor da sua pele naquele luz parecia negra como se absorvê-se a escuridão à sua volta e não bronzeada. No espaço, só se ouvia o barulho do seu pensamento. Memórias começaram a florir na sua cabeça. Tão leves e frágeis que se poderiam dissipar em apenas um piscar de olhos. Ele viu apenas um rosto e os seus lábios murmuraram o seu nome.
     Tema.


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     Saeva estava em controle do corpo e dos sentidos de Troy. Os olhos de Troy primeiramente encontravam-se negros ao abri-los mas no segundo seguinte voltaram à sua cor original - azul esverdeado. Ao se conectar com os sentidos principais de Troy, Saeva foi bombardeado pelo latido de um cão.
- Ugh - murmurou. - Sai daqui - ordenou afastando o animal com a mão. Não obteve resultado. - Sai daqui - tornou a repetir.
     Como o cão não quis obedecê-lo por bem, Saeva mostrou os seus olhos negros e Jasper afastou-se com medo. Saeva sorriu satisfeito com o poder que manejava.
     Levantou-se e caminhou em frente. Não sabia o que esperar. A mente de Troy a pouco e pouco ficava mais vazia. As suas memórias lentamente dissipavam-se. Não que ele realmente quisesse saber. As memórias eram só um fardo. A quantidade de informações e sentimentos que o rapaz possuía davam-lhe as odiadas dores de cabeça. O poder que ele quer continuará dentro de Troy e isso é que importa. Mais um Alexander na minha posse, pensou e sorriu vitorioso. 
     Saeva rapidamente chegou ao bar da praia. Uma mulher magra e de média altura chegou perto dele.
- Troy! - chamou.
     A criatura da Escuridão abriu a janela que dava vista ao que os olhos viam. Troy encarava agora a cena toda que passava como um holograma à sua frente. Ele esticou o braço para a projeção na esperança de poder tocar no rosto macio da mãe, mas em vão. Um toque na projeção e formava-se um buraco que logo voltava ao normal.
- Saeva! Não te atrevas a magoá-la! - ameaçou Troy. A sua voz ecoou.
- Não te preocupes, Tema. Eu irei tratá-la muito bem - Saeva respondeu como um eco na sua cabeça.
- Pronto para ir para casa? - perguntou a mãe.
- Sim, mãe. Mais que pronto - respondeu.
     Saeva então fechou a janela entre ele e Troy, deixando-o em agonia e desespero. 


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     O sol nascera. Era um novo dia. Saeva estava mais despertado que nunca e prometeu a si mesmo que nenhum outro Alexander lhe iria custar a vida. Ele quase que dormiu que nem um anjo se não fosse a constante dor de cabeça que Troy encarregou-se de lhe trazer. 
     Saiu da cama, respirou o ar fresco e foi tomar o pequeno almoço com a sua família. Houve um certo estranhamento por parte de Steve e Charlotte por vê-lo sentado na mesa da cozinha a comer cereais. Despediu-se dos pais e foi para a escola a pé visto que deixou a bicicleta de Troy num caminho escondido. Saeva observou bem a vila de Crystal Water. Ele não percebia como os humanos se podiam contentar com o que tinham. Casas que podem ser destruídas por um estalar dos dedos, viaturas que só sabem deixar rastos de fumo destruindo o próprio planeta, pessoas que assim que viramos as costas os atraiçoam. O melhor de estar no corpo de Troy é não estar a levar com cada agoniante e nojento pensamento dum humano. O barulho que cada mente humana emite é tortura. Puro egocentrismo e egoísmo.
     O corpo de Troy atravessou a estrada e entrou no recinto da escola. À entrada da escola encontramos um cantil redondo cheio de flores brancas, azuis e cor de rosa e no meio desse cantil, uma estátua comprida de pedra clara. Logo a seguir está um longo corredor de três degraus que dá ao edifício principal decorado com colunas. Saeva não deixou de pensar que parecia uma grade de uma cela de prisão. Ele começou a andar até que ouviu alguém chamá-lo.
     A voz pertencia a uma rapariga mais baixa que ele, morena, com cabelos e olhos castanhos. Ela sorriu-lhe e beijou-o.
- Sentes-te melhor? - perguntou-lhe. Os seus olhos brilhavam para ele. Saeva abriu a janela.
- Catarina - Troy chamou-a, em vão.
     Ao compreender de quem ela se tratava, Saeva conseguiu lidar com a situação.
- Catarina - sorriu. - Sim, estou - respondeu.
- Tens a certeza? - Catarina começou a lançar-lhe um olhar de suspeita. - Pareces...
- Cansado? Vim a pé para a escola - sorriu a tentar escapar-se das suas suspeitas.
- Ela vai saber do que isto se trata, Saeva. 
- Tenta-me, Tema. Tenta-me e vais ver o que isto realmente se trata. 
- Troy Evans - começou ela. - Queres abrir essa ferida? - Ele seguiu o olhar para onde ela apontava.
     A sua perna.
- Pois, desculpa. Não quis pedir boleia ao meu pai, sabes.
- Que seja a última vez, está bem?
- Claro - beijou-lhe a testa e colocou os braços à volta dela.
     Troy desviou o olhar daquele holograma. Vê-lo a agarrá-la como se fosse sua. Ele não conseguia suportar.
- Tira isto da minha frente, Saeva. Tira isto daqui! - gritou Troy. - Tira isto daqui...
     Saeva sorriu na certeza de que bastava mais uns dias para Troy ceder à loucura e que nesse prazo teria o que realmente veio buscar: o poder do Tema.  

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