Qaya #52



Luna 



- Precisamos de ir para casa - Sol sussurrou-me. - Iremos arranjar uma solução - sorriu-me, não muito confiante no que dizia.  
     Ajudei Sol a levantar e reunimos o grupo junto à fonte. Vénus entretanto acordou e Mercúrio ajudou-a a beber água e deu-lhe frutos para comer. Depois de recuperarmos forças, a avó e a Vénus começaram a tratar das feridas. Queria que a avó ficasse comigo mas Vénus tomou o seu lugar. 
- Magoaste-te em mais algum sítio sem ser o braço? 
- Tenho uns arranhões aqui e ali, mas nada de mais. 
- Então é só o braço? - Insistiu ela. 
- Sim, é só o braço.
     Vénus começou a tirar as ligaduras que a avó usara e começou a curar o corte. O silêncio engolia o espaço à nossa volta e eu não gostava dele, mas também não queria propriamente conversar com ela. Antes de me levantar e me afastar, Vénus agarrou no meu braço. Muito silenciosamente ela sussurrou:
- Desculpa - ela hesitou antes de me fitar com aqueles olhos vermelhos cintilantes.
     Em vez de afastar-me e ignorar as suas desculpas coloquei a minha mão na dela. A sua pele estava fria. 
- Eu também peço desculpa - sorri-lhe na esperança de vê-la sorrir também apesar de achar que era uma possibilidade remota. - Que tal ultrapassarmos isto? Começar de novo? - sugeri. 
     Ambas levantamos-nos. Éramos quase da mesma altura só que Vénus tinha mais uns centímetros que eu.
- Com prazer - e os seus lábios formaram um sorriso tímido. 





- Lar doce lar - disse Mercúrio depois de aterrarmos no alpendre da frente.
- Estou a precisar dum banho! 
- Já tratamos disso - Sol sussurrou só para mim. Sorri-lhe. Já tinha saudades da sua voz a ecoar no meu ouvido e do seu calor reconfortante.
     Avó abriu a porta e entrámos. Já me tinha esquecido do habitual cheiro da casa. Respirei fundo e deixei-me levar pelo aroma. Subi as escadas em direção ao quarto e Sol vinha atrás de mim, seguido do meu pai. Olhei sorrateiramente para ele e vi que tinha vários rasgões nas calças e as botas pretas estavam a sujar o tapete das escada. Ele estava cansado, os olhos pesavam-lhe e tinha olheiras cavadas debaixo dos olhos. Depois da nossa pequena discussão não lhe dei muita atenção para não ficar mais chateada. Mas devia ter dado. Ele está de rastos. 
- Sol, vai indo, não me demoro. 
     O meu pai não parou. Passou por mim e nem um olhar me dirigiu. 
- Pai - chamei. 
- Luna, estou cansado, podemos falar depois? - perguntou a abrir a porta do seu quarto, ainda sem me retornar o olhar.
- Hum, sim... Sim, claro. Vai... Vai descansar - sorri-lhe mas depressa o sorriso morreu nos meus lábios. Os olhos azuis acinzentados dele carregavam mais peso do que deviam e só pensava que em parte era por minha culpa. 
     Entrei no quarto e Sol estava deitado na cama. Eu controlei-me para não gritar com ele. 
- Sol, sai já da cama. - Ele resmungou como resposta. - Estás a sujar a cama toda de areia, Sol. Sai já dai - cruzei os braços, impaciente.
      Ele fitou-me com um sorriso atrevido.
 - Ficas linda irritada, sabias? 
- Sabia. Agora sai lá daí - ele levantou-se, deixando um rasto de sujidade nos lençóis limpos. Suspirei.
- Prometo que depois limpo tudo - disse ele, agarrando na minha cintura.
- Tu, a mexer na máquina de lavar? - perguntei, pousando os braços no seus ombros.
- Eu não só uma carinha bonita que controla o Universo, sabias?
- Ai é?
     Sol assentiu.
     Sorri e avancei para beijá-lo mas ele afastou-se. 
- Só me podes beijar quando tomares um banho. Estás cheia de areia! - gozou ele.
     Dei-lhe uma chapada no peito. Sol largou-me enquanto ria. 
- Ri-te, ri-te. Bem podes tomar banho sozinho - caminhei até à casa de banho.
     Vi Sol correr atrás de mim e tentei fechar-me na casa de banho mais rápido mas ele impediu-me e selou os seus lábios nos meus. Soltou um sorriso atrevido, chegou-se a mim e depois deixei-me envolver com o seu corpo quente, a água e o seu beijo.




Tema



- Ok, podemos falar disto por um minuto? 
- Não há nada para falar, Noir. Agora ajuda-me. 
     Assim que Noir e Tema chegaram de Marte, eles começaram a  trabalhar na arma secreta de Tema, depois deste ter curado a ferida de Noir. Tomaram um banho e enfiaram-se na oficina de Qaya, o segundo planeta da galáxia de Tema.
     Noir continuou a formar uma chama com as mãos enquanto Tema tentava, desesperadamente, forjar uma lança com uma porção da Pedra Kutsal. Noir afastou-se e apagou a chama. 
- Tema, podes parar por um segundo? Estás a conseguir irritar-me - Noir afirmou.
     Tema retribuiu-lhe um olhar inquietante.
- O que queres? 
- Quero que pares. Estás a destruir um bocado de pedra e obviamente não está a resultar. 
- O que queres que eu faça? - A voz dele soava cansada e desesperada.
     Noir colocou dois dedos entre a cana do nariz, massajando o canto interno dos olhos.
- Quero que me oiças. 
     Tema estava a tentar concentrar-se em algo que não a Vénus e parar agora só iria fazê-lo lidar com emoções que ele não queria sentir. 
- Diz. Estou a ouvir - disse ele a encarar algo que não a expressão no rosto de Noir. 
- Eu não percebi metade do que aconteceu lá e acho que é melhor nem saber, mas sei que não estás bem. E também sei que não sabes fazer armas portanto é melhor irmos chamar o Qaya.
- Sempre tão amável - Tema sorriu.
- Eu vou chamar o Qaya. Ele deve estar a achar isto muito hilariante para ainda não nos ter chateado com a sua presença - comentou. - Fica longe dessa Pedra - Noir apontou para a preciosidade vermelha e saiu da oficina.
     Convencer as suas emoções a ficarem escondidas num baú acorrentado e trancado por mil cadeados era mais difícil do que ele alguma vez imaginara. Tema chegou até a pensar que seria mais fácil derrotar Sol que evitar as suas emoções. Talvez até fosse mais fácil mas ele não se importava com isso realmente. 
     Tema sentou-se num banco da oficina a contemplar o nada e de súbito sentiu uma mão pesada e forte no seu ombro. Sorriu. 
- Qaya - levantou-se e abraçou o Planeta.
     Qaya era um homem alto, de pele negra, possuidor de olhos verdes e um corpo forte e musculado que se encobria por vestes de cor púrpura. Ele podia parecer intimidante, mas era a pessoa mais bondosa que Tema conhecia.
- Há alguns meses que não te via, por onde tens andado? 
- Tem andado com uma ruiva e a roubar Pedras mágicas - disse Noir, um pouco a gozar mas a falar a sério.
     Tema lançou-lhe um olhar.
- Obrigado pelo resumo, Noir. - Tema sorriu ao de leve e dirigiu-se a Qaya. - Preciso da tua ajuda. 
- Já suspeitava. Mas vieste para a minha oficina sem avisar Tema - Qaya reclamou. 
- Pois, sobre isso - Tema forçou um sorriso e passou a mão pelo pescoço. - A culpa é toda do Noir. 
     Noir abriu a boca em choque a tentar não rir. - Sabes que é mentira Qaya. 
     Qaya riu-se e deu uma sova nos dois. Quando o ambiente de brincadeira morreu, Tema pediu ajuda a Qaya em relação à lança. 
- Consegues? 
- Acho que sim, mas vai ser difícil. A Pedra pode perder o poder com o fogo. 
- Então como fazemos? - Noir perguntou. 
- Acho que temos de esperar que a sorte esteja do nosso lado - respondeu Qaya. 
- Qaya, eu não posso arriscar perder um pedaço da Pedra para nada - Tema retorquiu, stressado. 
- Então vais ter de encontrar alguém melhor que eu para fazer a tua arma. 
     Tema sabia que tinha atingido um limite com ele e que não iria arranjar alguém melhor que Qaya em lado nenhum. 
-  Faz o que puderes, está bem? 
- Faço o que puder e mais.
- Precisas de mais alguma coisa? - Tema perguntou.
- Não, podes ir descansado. 
- Então e eu? 
- Tu ficas aqui. O fogo não vai surgir do nada - Qaya respondeu.

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