The Bad Surprise #37



Vénus 



     Vénus não sabia o que ia dizer aos seus irmãos, a Mondy... Quando chegou à casa dela deu logo de caras com Mercúrio agarrado à sua Tal no alpendre. A Lua cobria-os num manto de luz prateada e Vénus conseguiu reparar que Mercúrio chorava. 
- Não... - Vénus sussurrou.
     Vénus pensou no pior.
     Ela aproximou-se deles os dois e Mercúrio encarou-a com um olhar incrédulo e magoado. 
- O que estás aqui a fazer, Vénus? 
     Sempre a mesma pergunta, o mesmo tom de voz e o mesmo olhar. Não podia ele mostrar-lhe algum afecto? Afinal de contas ela era sua Irmã e Mercúrio sabia que ela não tivera nada a ver com o que aconteceu a Mondy. 
- O Tema contou-me da Mondy. Eu não tive nada a ver com isto, Mercúrio. 
- Eu sei que não tiveste, Vénus. Mas ele é o teu Tal. 
- Não me podes culpar por atitudes dele! Mercúrio, eu não sou o Tema! - Vénus gritou.
     Ela obrigou-se a respirar fundo antes de voltar a dizer qualquer palavra. Mercúrio também desviou o olhar dela e nada disse. 
- Temos de levá-la para dentro. Está uma brisa fria. 
- Eu levo-a - disse num tom repugnado. 
- Hey! - Vénus parou-o com uma mão e colocou a outra na anca. - Eu estou aqui para a ajudar, está bem? A Mondy, apesar de tudo, é minha amiga também e eu vou ajudá-la. Quer gostes, quer não. 
     Mercúrio olhou para ela e não viu nada, como se ela nem estivesse ali, nem existisse - simplesmente fitou os olhos semelhante aos dele e encolheu os ombros. Num instante passou a mão pelos olhos a limpar as lágrimas secas, pegou  Mondy ao colo e levou-a para dentro.
     Vénus não podia crer na atitude dele. Porque raio estaria ele a agir como se tivesse feito algo de errado? Ela não fez nada de errado, aliás, até fez-lhe favores. Sabe lá ele quantas vezes, durante o mês passado, Vénus impediu que Tema atacasse e começasse a batalha? Não sabe. E porquê? Porque ele é um casmurro que não quer saber dela nem das pessoas que a rodeiam.
     Vénus seguiu-o a bater o pé. Estava irritada e magoada, mas tentou esquecer isso tudo, pela Mondy. Ela tinha de cuidar dela.
     Mercúrio deitou a sua Tal no sofá e como se o gato lhe tivesse comido a língua, Mercúrio soltou sons em vez de palavras.
- Desculpa? O que foi que disseste?
     Mercúrio olhou-a irritado. Revirou os olhos e suspirou.
- O que fazemos agora?
     A pergunta surpreendeu-a.
- Bem, temos de saber onde ela está ferida. Depois tratá-la. Temos de deixar a Mondy descansar muito e esperar que ela recupere.
- Como sabemos onde ela está ferida se ela não nos disser?
     Vénus soltou um sorriso de gozo sem se aperceber que ele estava a falar a sério... e depois apercebeu-se de que ele estava.
- Mercúrio, não te lembras que aprendi a Curar feridas?
- Só a Mondy sabe fazer isso.
- Pois. Quem achas que me ensinou idiota? - Vénus olhou-o sarcasticamente. - Aliás, nota-se perfeitamente que ela tem uma queimadura na cabeça.
- Pronto, pronto. Faz lá o teu trabalho. - Suspirou. Levou os lábios à testa de Mondy e acariciou-a. - Vou lavar a cara.
- Está bem.
      Vénus sentou-se no chão, colocou a sua mão no rosto adormecido e velho de Mondy e acariciou-o. Antes que pudesse pensar no que estava a fazer, ela automaticamente deixou a máscara, que separa os sentimentos  das suas ações, cair. E tal como a máscara, lágrimas também queriam cair pelo seu claro e iluminado rosto.
- Desculpa - sussurrou. - Desculpa-me, Mon - encostou a sua cabeça ao tronco de Mondy, agarrou a sua mão e deixou uma lágrima cair.





Luna 



- Sol, acorda por favor, temos de ir! 
     Sol dormia profundamente mesmo estando a dormir num carro. Eu estava cheia de dores de costas apesar de ter dormido em cima dela, do que propriamente o banco do carro. Ficámos mais tempo do que eu pensava e sabia perfeitamente que teria a avó à minha espera na entrada para fazer um questionário e verificar se não tenho nada partido. Suspirei. Sol não queria mesmo acordar, ou então abria os olhos e logo os fechava.
     Farta daquilo, toquei na buzina e ele despertou logo. 
- Hey, então?!
- Temos de ir, queres que conduza? 
- Tu não sabes o caminho de volta, Luna.
- Podíamos ter trazido o GPS.
     Sol soltou um bocejo e espreguiçou-se.
- Deixa lá, eu conduzo. Deixa-me vestir primeiro, pode ser? 
     Com apenas o cobertor à volta da cintura, Sol saiu do carro e foi-se vestir. Ele ficava deslumbrante com os raios a iluminarem a sua pele morena. Os seus olhos cor de âmbar realçavam-se e tornavam-se pequenas estrelas. Alto e musculado, parecia um Deus mítico de Grécia ou Roma. E eu não conseguia entender como fui tão sortuda ao ponto de me calhar um homem destes: carinhoso, gentil, divertido, protector... Eu podia continuar a lista por dias e dias...
- Estás a sonhar acordada, Luna? - perguntou ele com gracejo na voz.
- Hum?
- Estás a babar-te - disse ele enquanto apertava o cinto das calças.
- Não estou nada!
     O meu rosto tingiu-se de vermelho e discretamente, aproveitado que ele estava a rir e a vestir-se ao mesmo tempo, verifiquei se estava mesmo ou não a babar-me.
     Não estava. Graças a Deus.
     Apesar da minha pressa, eu sinceramente não queria ir embora. Este lugar é lindíssimo, refrescante e mágico. Fez-me esquecer os meus problemas e soube tão bem. Os meus ombros por momentos não pesavam tanto, a minha cabeça não estava sobrecarregada de pensamentos e estava a divertir-me imenso. Criei memórias inesquecíveis, descobri-me de certa forma neste local. Não queria mesmo nada abandoná-lo assim, tão abruptamente. 
     Mas eu tenho de voltar para a minha vida onde uma Estrela tem inveja de outra Estrela porque não tem Planetas suficientes a habitar a sua galáxia. 
     Avistei Sol pelo canto do meu olho e num segundo entrou no veículo. Deu-me um beijo.
- Não tinha tido oportunidade de dar-te um bom dia decente - sorriu.
      Eu beijei-o de volta. 
- Bom dia - disse-lhe. - Sei que deves estar a morrer de fome por isso deixei-te duas sandes e sumo. 
- Perfeito! - exclamou enquanto pegava na sandes e no sumo. - Vamos lá para casa - disse Sol enquanto ligava o carro e dava uma dentada na sandes.






     Quando chegámos e eu não vi a avó à minha espera no alpendre soube que algo se passava. Eu sabia que ela estaria ali à espera, eu conheço a minha avó. E ela não estava lá.
- Podes ir entrando, Luna. Eu vou mesmo atrás de ti.
- Está bem.
     Sol saiu do carro mesmo depois de mim e foi abrir o porta bagagens. Avancei, nervosa e apressadamente, para a porta da entrada.
     Comecei com um tom alegre: - Bom dia avvv... - e terminei com um tom chocado e abalado. - Vénus?!
     Eu certamente não a esperava a passear no meu corredor.
- O que...
      Depois o meu olhar foi à procura de alguém familiar, da avó, e... E depois... Depois vi avó deitada no sofá e parecia... parecia...
- Avó - murmurei baixíssimo.
     Corri para ela e obriguei-me a controlar as lágrimas. Vénus deu espaço para me sentar e percebi que hesitou em colocar a sua delicada mão no meu ombro. Não o fez.
- Vénus, ela está... - sussurrei baixinho com uma mão na da avó e outra no seu rosto. Engoli o choro. - Ela está bem, não está?
- Sim, Luna. Está a dormir, a descansar.
      Sorri. Mal conseguia ver com o mar de lágrimas nos meus olhos. Limpei-os e suspirei de alívio.
- Mas... o que aconteceu, Vénus? - virei-me para ela. - O que estás aqui a fazer? Porque é que a avó tem ligaduras? O que se está a passar?
     Vénus abriu a boca para me responder mas não foi a voz dela que falou.
- Ela está bem agora, filha. A Vénus tratou dela. Ela está a dormir, deixa-a descansar.
     Virei-me para encarar o meu pai, pronta para teimar que ficaria ali o tempo que fosse preciso, mas não consegui a minha avante.
- Anda comigo, eu explico-te tudo - esticou-me os braços e eu deixei-me ir.
      Olhei para trás, para a avó com alguma culpa a pesar no meu coração. Se calhar... Se estivesse estado presente teria evitado o que aconteceu com a avó.
- Ela fica bem - disse.
     Plutão levou-me para o quarto onde me contou tudo o que se passou com a avó.
- Oh meu Deus... - sentia a culpa a pesar cada vez mais e mais. - Pai, se eu estivesse cá estado, ele não teria magoado a avó. A culpa é toda minha...
- A culpa não é tua, a culpa é do Tema e só dele.
      O meu pai tirou uma das suas mãos que envolviam as minhas para limpar a lágrima gorda e cheia de culpa que caiu-me pela bochecha rosada. Eu não conseguia pensar em mais nada sem ser a avó a ser estrangulada pelo Tema e depois torturada. Eram imagens que passavam como um filme que continuava a repetir-se sem ter meio de acabar. Tudo o que eu via era a avó no chão porque quis apanhar ar fresco...
- Acabaste de dizer que ele estava a minha procura e como avó não lhe disse onde fui ele magoou-a. Como é que isso não é minha culpa?
- Luna, tens de perceber que não podias evitar isto. Imagina que tu não tinhas ido nesta viagem e tivesses enfrentado Tema. O que achas que aconteceria?
- Teríamos lutado. A avó de certeza que estaria melhor do que está agora. Ela é a última pessoa que merece estar naquele sofá!
- De certeza que alguém ficaria ferido gravemente, Luna. Poderias ter sido tu, eu ou o Mercúrio. Isso seria melhor? Seria melhor eu estar a chorar por ti, ou tu a chorares pelo Sol?
- Não! Não... Mas...
     Eu simplesmente não conseguia. Não conseguia remover todas as cenas que me passavam na cabeça que me faziam sentir cada vez mais culpada. A avó sempre protegeu-me de tudo e mais alguma coisa. E quando eu podia tê-la protegido, eu falho. Eu não estou cá e falho nesta tarefa que é minha desde que me lembro.
- Vais ver que ela vai ficar mais rápido do que tu pensas, Luna - Abraçou-me.
      Encostei a minha cabeça na curva do pescoço e abracei-o.
- Espero que sim. Obrigada.
- Estou aqui para ti, pequena - ele beijou-me o cimo da cabeça.
     Sorri-lhe e depois de respirar fundo, levantei-me e sai do quarto para ter com a avó.
     Sol estava à minha espera, no fundo das escadas, preocupadíssimo.
     Dei-lhe a mão.
- Estou bem - respirei fundo. Repeti a frase a tentar convencer-me a mim própria. - Estou bem. 

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