Painting #41



Luna 



     Inevitavelmente, Sol acordou e perguntou-me o que se passava. Não iria mentir-lhe, obviamente. Contei-lhe do meu sonho. Ele ficou ainda mais confuso que eu. 
- O que é suposto eu fazer, Sol? A Lua não pode simplesmente aparecer e dizer que tenho de o proteger. E proteger quem? 
- Talvez ela esteja a referir-se a mim. - Afirmou enquanto soltava um bocejo. 
- Não acho que esteja. Eu sei perfeitamente que tenho de proteger-te. Pelo bem da galáxia e pelo meu bem. E se fosses tu, porque haveria ela de referir-se a ti por "o" e não por Sol? Provavelmente nem conheço esse alguém que tenho de proteger. - Suspirei. Sol não tinha palavras para mim. Apenas olhava-me com os seus olhos cor de âmbar cansados e sonolentos e preocupados. Sempre preocupados. 
- Ouve, vai tudo correr bem. Seja lá quem for esse alguém, tu vais conseguir cumprir o que Lua te pediu. Eu ajudo-te.  
     Queria sorrir-lhe, esquecer este sonho por momentos, mas nada é como quero. As palavras da Lua dançavam na minha mente e nem Sol conseguia abalar esses pensamentos. 
     Sol inclinou-se e beijou-me a bochecha, puxou-me para ele e envolveu-me nos seus braços quentes e reconfortantes. 
- Só não quero que fiques a pensar nisto que nem louca. 
- Bem, parece que isso não vai acontecer tão cedo. 
     Sol não disse nada. Limitou-se a abraçar-me forte e a envolver-me nos seus braços. Consegui relaxar o suficiente para poder fechar os olhos e realmente descansar. E, pelo que me pareceu por breves instantes, nenhum problema importava.




Vénus 



     O calor e o frio que Tema emanava davam-lhe bons arrepios. A sensação única que ele lhe trazia preenchia o seu coração com verdadeiro amor e carinho. Vénus nunca estivera tão feliz. Pelo menos que se lembrasse.
Nada na sua vida estava em condições, porém, nunca na sua vida esteve tão certa que tudo estava no percurso certo. 
Tema tinha magoado Mondy, realmente, mas ele desculpara-se e sentira-se culpado. Ele sentira algo que não poder e raiva. Ele sentia algo por ela, algo forte e caloroso, que parecia abafar o frio dessa raiva e desse poder. Se tudo o que bastasse para Tema esquecer esses sentimentos destruidores fosse estar com ele, ao seu lado, tocar-lhe e abraçá-lo, amá-lo, Vénus estava mais que decidida a fazê-lo. 
     Acordar ao lado do seu Tal, nos seus braços, era algo que Vénus gostaria de fazer para o resto da vida: os raios de luz da manhã a perfuravam as cortinas da enorme janela, em frente à sua cama, o perfume dele a pairar à sua volta, o som calmo e lento da respiração dele na sua nuca... Tudo neste momento era perfeito aos seus olhos. Vénus queria preservá-lo, congelar o tempo, o espaço. Ficar nesta bolha de intimidade e carinho, paz e sossego para sempre. 
     Vénus não se mexeu. Tinha acordado primeiro que Tema e o conforto dos braços dele era demasiado para ela os deixar. Tema mexeu o corpo e moveu-se para a esquerda, dando espaço para Vénus e ele se fitarem. 
      Vénus sorriu-lhe. 
      A luz incidia perfeitamente nos cabelos loiros de Tema, iluminavam os olhos azuis esverdeados e acariciavam o seu rosto. 
- Hey - sorriu-lhe. - Estás acordada à muito tempo? 
- Não. 
- Sentes-te melhor? Queres ficar...
      Vénus interrompeu-o. 
- Muito melhor. Obrigada por cuidares de mim.
      Uma parte de si nunca iria realmente adaptar-se ao facto de ter alguém que a ame de verdade, ou que queira estar com ela sempre. As borboletas na barriga bailavam sem qualquer descanso e o sorriso era inevitável. 
      Tema aproximou-se dela e deu-lhe um beijo gentil. Tocou-lhe no rosto e disse: 
- Eu só quero que estejas bem, e faço o que for preciso para isso acontecer. - Beijou-lhe a testa. - Nunca duvides disso. 
      Vénus não duvidava. Abanou a cabeça, sentindo a pele da mão dele no seu rosto.
- Não duvido - murmurou.
     O silêncio entre eles era estimado, como se nele fluísse mais sentimento do que se falassem. A mente dela flutuou para um lugar distante, enquanto se perdia no olhar brilhante de Tema. Vénus deu consigo a imaginar futuros com Tema, que sabia que só iriam acontecer se Sol morresse. No fundo do seu ser, Vénus sabia que Tema não iria desistir desta guerra inútil, assim como Sol. Os dois iriam lutar até um cair, tombar, morrer. E por um segundo, uma pequena fracção de tempo, ela desejou que Sol fosse aquele a cair, a tombar e a morrer. Mas com a mesma rapidez com que esse pensamento veio, ele desapareceu, repelido pela consciência e a sua afinidade como Planeta à sua Estrela. Vénus não permitiu os pensamentos inquietantes continuarem. Obrigou-se a acalmar antes que o seu Tal se apercebesse do seu desconforto. 
      Ela entrelaçou os seus dedos nos dedos dele e sugeriu: 
- Hum, e que tal irmos comer qualquer coisa e irmos pintar os resto das divisões? 
- Parece-me perfeito - respondeu. 
      Tema levantou-se, mostrando o tronco nu outrora tapado pelo lençol branco, esticou a mão na sua direção e Vénus agarrou-a. Sentiu-se fraca ao levantar a cabeça da almofada. Ainda não tinha recuperado totalmente. Tema nem a deixara usar o seu poder no rosto dele, que ainda estava muito magoado. Ela sabia que se usasse, iria piorar a sua condição. 
     Vénus abanou a tontura que se alastrava para o seu corpo e esboçou um sorriso. Deixou-se estar descalça e ficou de braço dado com o seu Tal, a caminho da cozinha. Ao pé dela, Tema sempre agira muito cordial e elegantemente com ela, como se tivesse recebido educação de um príncipe que levava a vida muito levemente antes de receber o peso do seu dever nos ombros. Ela sentia que havia algo escondido em Tema. Só esperava que não estivesse perdido.  
      Os dois prepararam o pequeno-almoço: Vénus preparou duas torradas, uma para compota, outra para manteiga, café e sumo de laranja e Tema fez ovos mexidos com salmão fumado, espargos, tomates, e queijo de cabra e ainda colocou batatas pequenas no forno. Vénus descobriu que Tema é daquelas pessoas que tenta comer o mais saudável possível ao pequeno-almoço e isso incluiu frango ou peru, peixe, vegetais, fruta, arroz, iogurte, batidos... Claro que ele não comia aquilo tudo numa manhã mas para Vénus, um pequeno-almoço era uma torrada com manteiga ou compota, café ou sumo de laranja, uma fruta e cereais de vez em quando.
- O pequeno-almoço é a refeição mais importante do dia. Precisamos de comer proteínas, vegetais, fruta, hidratos de carbono... O nosso corpo é uma máquina que precisa de ser cuidada - dizia ele, enquanto virava os ovos.
      Vénus deu uma dentada na torrada.
- Só de ver essa comida toda logo de manhã... Não sei como consegues.
      Tema virou-se, com a frigideira na mão, para a fitar:
- É uma questão de hábito.
     Depois do pequeno-almoço, fizeram a cama em conjunto e Vénus tratou das feridas dele, sem qualquer tipo de poder, e certificou-se de que ele não sentia dores algumas apesar de ser difícil na sua situação.
      De seguida, Vénus vestiu uns calções azuis curtos e um top branco. Deixou-se estar descalça. Tema vestiu uma t-shirt branca, e puxou as mangas para cima, de modo a mostrar completamente os braços, e umas calças de ganga velhas. Vénus ficou surpreendida com a quantidade de jornais que Tema trouxe para a sala. Juntos espalharam-nos pelo chão, para proteger a madeira do soalho. 
     Tema foi buscar as latas de tinta e Vénus os pincéis na arrecadação. Quando chegou à sala, Tema estava todo encarnado porque as latas eram muito pesadas. Vénus riu-se. 
- Deixa-me ajudar-te. 
- Não, não. Está tudo bem, eu aguento com isto - o sorriso dele não era nada confiante naquele rosto corado.
     Assim que largou aquelas latas, Tema respirou fundo e colocou um braço à volta de Vénus. Olhou para a  enorme parede branca, vazia e sem vida, e perguntou: 
- O que queres pintar? 
- Nós. Quero esta seja uma parede diferente das outras azuis e prateadas que já temos. 
     Tema sorriu-lhe. Abriu uma lata de tinta e começou a pintar o que lhe veio à cabeça, Vénus fez o mesmo. Segurou num pincel grosso e mergulhou-o em tinta avermelhada e deu uma grande pincelada na parede vazia. De seguida misturou o vermelho com um azul, dando origem a um roxo levemente azulado. Ela deixou a sua mão fluir na parede.
     Quando deu por si, Tema e Vénus lutavam por um espaço em branco da parede. Ele foi o primeiro a atacá-la, sujou-a de roxo e vermelho no rosto, deixando-a chocada e pronta para competir contra ele. Mergulhou os dedos na lata de tinta azul escuro e pintou os seus braços, pegou em pincéis mergulhados em tinta vermelha e sujou-lhe a roupa. Vénus riu-se, e ao distrair-se, Tema aproveitou a situação para atacá-la,  pintando-a de várias cores. Os jornais debaixo deles estavam encharcados.
     Tema agarrou num pincel grosso, ensopado em tinta e com o braço ele puxou Vénus para si, apontando-lhe o terrível pincel. A chama no olhar de Vénus arrepiou-se com o seu toque e tudo o que ela via eram os olhos de Tema divertidos e muito sedutores. Ele tinha um sorriso letal no rosto, com o pincel a milímetros de distância dela.
- Rendes-te? - perguntou ele.
     Sem vacilar, ela respondeu.
- Nunca.
     Tema fitou os olhos cor de rubi de Vénus. A chama vermelha consumiu-o e de um momento para o outro, a luta de tinta deixou de ter qualquer significado. Ele deixou cair o pincel, enfeitiçado por Vénus.
     Ela sentiu um arrepio na pele assim que Tema pegou no seu rosto com a mão que segurava o pincel. E, de repente, sentiu os seus lábios a serem beijados pelos de Tema. Ambos sorriram ao provarem o sabor dos lábios de cada um, envolvidos nos braços um do outro e na paixão.
    As mãos de Tema percorreram as costas delas, lentamente levantando o top dela. Vénus cruzou as pernas em torno do tronco de Tema, enquanto os dois trocavam beijos intensos e cheios de desejo. Ele então começou a caminhar até o quarto, com as mãos nas coxas de Vénus. Por momentos ela pensou que estavam a agir precipitadamente, mas nada lhe parecia errado ou forçado. Tudo o que sentia era o corpo dele colado ao seu. O seu beijo. O seu amor.
      E com este pensamento, Vénus deixou-se levar pelo amor de Tema, sem se arrepender, e no final, deu-se de caras com a melhor sensação que alguma vez sentira: ser amada de volta. 

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