Now I Have You #26



Luna 


     O meu corpo queria permanecer imóvel até desaparecer totalmente. Tudo na minha vida estava um caos. E só o tempo, e talvez nem mesmo isso, iria sarar as feridas que causei.  
     Levantei-me e obriguei-me a tomar um banho demorado. Mergulhei o meu corpo na água quente e deixei o seu calor purificar-me. Estava em total repouso. A minha mente adormeceu e acalmou-se até que bateram à porta. 
- Entra - gritei - estou a tomar banho. 
- Luna, despacha-te. Sol quer falar connosco - disse avó. 
      O meu coração saltitou ao ouvir o nome Sol, e saltitou ainda mais por ele querer falar. 
- Já vou avó. Obrigada. 
     Saí da banheira e vesti-me rapidamente. Não ia ter a lata de chegar atrasada. 
      Corri as escadas e antes de me virar para a sala, aprontei-me. Não ia parecer uma stressada e desarrumada. Os olhos de Sol nunca foram postos em mim e evitavam isso a todo o custo. Sentei-me na minha poltrona e Persifal roçou no meu pé, a tremer. Coloquei-o no meu colo. Avó já estava sentada no sofá com Mercúrio e Sol encontrava-se de frente para todos nós, sentado no sofá da frente. 
- Queria pedir desculpa por ter partido sem qualquer aviso - começou Sol. - E por isso, quero contar-vos o verdadeiro motivo de ter partido - os olhos tristes de Sol foram postos em mim.
      Corei. 
- Antes de ir embora eu e a Luna tínhamos discutido sobre o seu pai, e eu não suportava... - hesitou - Não suporto estar chateado com ela e queria, quero, vê-la bem. Por isso, decidi continuar com as buscas por Plutão. 
     O meu coração parou por momentos: Sol foi procurar o meu pai. Ele foi-se embora por um motivo maior e eu... E eu traí-o. Mas eu não sabia, não tinha como saber. Sol não me avisou, Sol não me contou nada... O nervosismo e a culpa de repente atacaram o corpo de novo. Sol estava com os olhos postos em mim e eu senti que ele tentara acalmar-me. De certeza que ele não quer sentir o que eu sinto, de certeza que ele não quer ter mais nada a ver comigo. 
- Foste procurar o meu pai, Sol? - perguntei sem estar à espera duma resposta. 
- Fui Luna e encontrei-o. 
      Os meus ouvidos não queriam acreditar no que tinham acabado de presenciar. Sorri. Queria abraçar Sol, dar-lhe um beijo de agradecimento, mas eu não podia. Portanto não me movi.
- Obrigada Sol, obrigada mesmo.
      Encolheu os ombros - Fiz o que me pareceu correto - e deixou de me encarar.
     Tentei ignorar mas as palavras dele feriram-me. Porém, a ideia do meu pai começou a pairar sobre mim. A avó não ligou à nossa estupidez e perguntou: 
- Se o encontras-te, onde está ele? 
- Lá fora - as suas palavras saíram naturalmente, como se não significassem a mudança da minha vida. 
- Estás a falar a sério? - perguntei, perplexa. 
- Sim. 
      Tirei Persifal do meu colo, fui em direção à porta e quando estava prestes a abri-la, parei. Deveria mesmo conhecê-lo? Não sei. Queria mesmo conhecê-lo? Sim... Sim, sim!
     Abri a porta que me separava do meu pai e vi-o. Um homem alto, com uma aparência perfeita e intemporal, e como os outros, trazia só umas calças de ganga vestidas. Reparei no seu nervosismo, mexia as mãos tentando controlá-lo e de repente colocou os seus olhos azuis acinzentados em mim. 
- Luna - proferiu o meu nome com nervosismo e ansiedade. 
       As lágrimas vieram automaticamente e corri para ele. Abracei-o fortemente. 
- Pai - sorri por entre as lágrimas.
- Desculpa-me Luna, nunca devia ter-te deixado - disse enquanto me abraçava. Tentava conter as lágrimas. 
- Estás aqui agora, é o mais importante - assegurei-lhe enquanto sentia o seu perfume fresco e novo. 
     Senti os olhos de avó, Mercúrio e Sol postos em nós os dois. 
     Não queria deixar o abraço do meu pai, tão seguro, tão protetor. Tudo o que eu alguma vez imaginei. Fomos para dentro, a avó falou com ele um pouco, assim como Mercúrio. O meu pai agradeceu a Sol por o ter trazido até mim e eu e ele fomos para o alpendre do jardim conversar. 
- Eu sei que tens muitas perguntas para mim - começou - e eu estou disposto a responder a tudo. 
      Fitei-o - A Lua disse-me que a mãe morreu porque tinha o coração partido. O que aconteceu pai? - fiz uma pausa e logo acrescentei - Porque não estavas lá? 
      Respirou fundo meio que revivendo as memórias e respondeu finalmente: 
- Estava tudo bem entre nós, Luna, estava mesmo. Podias nascer a qualquer momento e isso era a alegria dos meus dias. Mas eu não podia ficar muito tempo cá, tu sabes disso. Plutão não pode simplesmente desaparecer. Eu queria ficar, tratar de ti e da Mel, mas eu não podia. E isso foi daquelas coisas que mais me custou fazer. Quando voltei, era tarde de mais. A vida na Mel tinha desaparecido, os seus olhos já não brilhavam... E lá estavas tu. Pronta para receber todo o carinho que eu não conseguia dar. 
- E foi por isso que deixaste-me com a avó. 
- Foi - encarou-me - Eu sabia que ela iria tomar conta de ti melhor que eu. Na altura, no começo - corrigiu -  eu só via a Mel nos teus olhos e apercebia-me que nunca mais iria estar com ela. 
- Mas eu não tenho culpa disso.
- Tenho eu.  A Mel morreu por minha causa. 
- Não penses assim - aproximei-me dele e abracei-o por baixo do seu braço, ele abraçou-me com ele - A mãe ama-nos muito, e ela agora está em paz. 
- Eu acho que já não posso estar em paz comigo próprio se tenho esta culpa em cima de mim. - suspirou e abraçou-me forte - Por isso nunca retornei. Nunca achei capaz de te dar aquilo que tu precisavas, especialmente ao notar que crescias tão bem sem mim - pausou. - Apercebi-me que és o meu melhor e maior feito, Luna, a minha filha. Agora tenho-te a ti.
- Para sempre - garanti-lhe e abracei-o de volta.
      Agora tenho a ti. Estas palavras marcaram o meu coração. Apesar de não ter ultrapassado o facto dele me ter abandonado, eu tinha-o. Eu o meu pai estávamos finalmente juntos e eu não ia abdicar dele, nunca. E sabia, sabia mesmo, que o meu pai nunca mais iria abdicar de mim. A parte dentro de nós que estava vazia agora está completa e juro que consegui sentir a minha mãe perto de nós, e a nossa família estava finalmente unida e forte. Para sempre.
      Eu não tinha tempo nem vontade para pensar em Sol neste momento. Se pensasse nele era o quão agradecida estava por ele ter trazido o meu pai para mim.
      Depois de jantarmos, depois de muitos risos, muitas conversas e muitos abraços, Mercúrio, avó, o meu pai e eu fomos para o alpendre do jardim contemplar a Lua maravilhosa que brilhava no longo e infinito céu. Nesse momento decidi falar com avó e com o meu pai sobre a minha afinidade com o ar, visto que Mercúrio já sabia. Decidi não lhes contar sobre as minhas visões. Eles rapidamente iriam adivinhar quando tivesse alguma e eu não os queria no meu pé.
- Avó, pai, tenho algo para vos mostrar - Mercúrio leu o olhar no meu rosto e percebeu.
- Mostra querida - disse avó.
     Senti o carinho da Lua na minha pele. O Ar rapidamente tomou o meu corpo e fechei os olhos a sentir o seu poder. Assim que a sua força chegou às palmas das minhas mãos, sussurrei Ar.
     À nossa volta, uma brisa quente e azul esvoaçou. O brilho era impressionante e acolhia-nos como se pertencêssemos ao seu domínio como aves. Os olhos de avó, Plutão e mais uma vez, os de Mercúrio, ficaram impressionados a olhar para a magia à nossa volta e para mim.
     Avó sorriu para mim e sussurrou algo. Abriu as suas palmas e uma aragem calma e quente flutuou entre nós. Os nossos poderes combinaram e os ares uniu-se. Numa canção mágica a brisa à nossa volta voava por entre os cabelos soltos meus e da avó, as flores, e os olhos de Mercúrio e do meu pai estavam deslumbrados. Eu estava deslumbrada. Tudo isto, vindo de mim, vindo da avó, vindo de nós.
      O pesadelo deu lugar ao sonho, a tristeza por momentos desapareceu e a magia e a alegria cavalgaram o espaço entre nós como se não houvesse amanhã. E eu sentia-me fantástica, sentia-me livre. 

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