The Sorrow #24
Tiago e avó entraram em casa e eu fiquei a pensar que isto era minha visão a concretizar-se. Tinha a certeza. Porém, eu tinha como evitar. Bastava não estar sozinha com Tiago ou beijá-lo. Vai ser canja, pensei. A avó não o vai largar e espero ganhar mais segurança com isso, e se Sol aparecer, duma maneira ou de outra, vou ter de explicar-lhe o que se passou entre mim e Tiago, mas o mais importante vai ser vê-lo. Após, talvez mais de um mês, sem o ver, a felicidade de voltar a mirar os seus olhos âmbar dominavam o meu corpo. Sol, por favor, aparece. Volta, sussurrei ao ar que agora era-me era tão conhecido e reconfortante.
Entrei em casa, recebendo o cheiro e o calor no meu corpo, sentindo uma enorme ansiedade. Não quis entrar na cozinha, Tiago obviamente estaria lá a cozinhar o jantar com a avó. Mercúrio brindou-me com um sorriso e fez sinal para irmos conversar lá no jardim. O assunto? Tiago, aposto.
Peguei em Persifal, que apareceu no caminho de repente, e levei-o comigo para o jardim. Ele ainda não tinha experimentado a relva curta e fresca do jardim. Mercúrio esperava-me no sofá do alpendre.
Peguei em Persifal, que apareceu no caminho de repente, e levei-o comigo para o jardim. Ele ainda não tinha experimentado a relva curta e fresca do jardim. Mercúrio esperava-me no sofá do alpendre.
- Pronto, ralha lá comigo.
- Luna...
- Não sei que te diga. Eu não me consigo afastar dele. Ele é uma lufada de ar fresco para mim, uma nova porta que dá entrada a aventuras imagináveis e caminhos perigosos - falei depressa, sem ligar a Mercúrio - Como é suposto fugir deste novo mundo por descobrir quando o que conhecemos parece o local mais negro que alguma vimos? Diz-me. - Caí no sofá, abalada, depois de ter percebido o que tinha dito. Persifal saiu de perto de mim e brincar no relvado.
A voz de Mercúrio soou calma e confortante.
- Luna, tu não podes ceder ao que apenas parece ser um mundo novo por descobrir. Há outras coisas que tens de pensar - apesar das suas palavras atacarem-me, eu percebia-o.
- Mas agora é tarde de mais - disse baixinho.
- Tarde de mais? Como assim?
- Beijámos-nos... - pelo canto do meu olho, consegui notar que a expressão de Mercúrio não era bom sinal - Foi sem intenção... Ele aproximou-se, eu não o afastei... Estou tão arrependida - coloquei o rosto nas mãos.
- Já era de esperar. Tanto tempo juntos só podia dar nisto.
- Desculpa.
- Não tens de pedir desculpas Luna. Não fizeste nada de mal, por agora - colocou o seu braço à minha volta.
- Ele tentou-me beijar de novo, mais tarde, e eu não deixei - abanei a cabeça garantindo a minha nula vontade de voltar a repetir os acontecimentos anteriores. - Usei o meu elemento.
- O teu elemento? - perguntou Mercúrio sem ligar ao facto de ter lutado contra a minha vontade.
Encarei-o - Sim, tenho afinidade com o ar - soltei um sorriso. Mercúrio abriu os olhos, surpreso.
- Luna! Isso é fantástico! Temos de contar à Mondy, ela vai ficar radiante!
- Não agora, não com ele aqui - disse.
- Está bem. Mas mostra-me o que sabes fazer com ele. Com o ar.
Surpreendi-me. O que sei fazer com o ar? Não sei. Só por alma da Lua é que consegui ter forças e poder suficiente para evocar aquela rajada de vento que separou-me de Tiago. Não custa nada tentar, Luna - Ouvi Lua sussurrar no meu ouvido. A sua voz acalmou-me, e alcançou um ponto em mim desconhecido até então. O ar em mim começou a ser cada vez mais intenso e poderoso, sentia-o percorrer cada parte de mim até ir directo para as palmas das minhas mãos.
- Ar - sussurrei.
O Ar à nossa volta mudou. O seu poder era intocável e mágico. Com um desejo meu, uma leve brisa começou a voar entre mim e Mercúrio soltando os perfumes das flores e da grande árvore do nosso jardim. O espaço entre nós estava, literalmente, encantado e tudo parecia perfeito. Com pequenos gestos o ar movia-se entre os meus dedos, com vida, e acariciava a minha pele. Fazia o presente parecer tão distante, como se fosse o passado. Porém, eu sabia da realidade. E nesse instante sem concentração, fez perder a ligação com o meu elemento. A brisa cheia de perfumes desapareceu, as caricias se foram e só restou a minha estúpida e infeliz realidade.
- Luna, isso foi fantástico - falou Mercúrio, a sorrir.
- Obrigada - sorri.
Entretanto, avó chamou-nos para ir para a mesa. O cheiro que rondava a sala de jantar estava a dar água na boca. Fiz questão de comer muito. O lanche de à pouco não fora muito produtivo. As piadinhas sobre o meu apetite eram já de prever e não faltaram. Todos, incluindo Tiago, fizeram questão de soltar uma piada sobre a minha enorme boca. Não liguei. Continuei a apreciar a comida feita pela avó e, infelizmente, por Tiago.
Após a sobremesa, Mercúrio fez de tudo para não me afastar dele. Ele, embora não admitisse, não acreditava que eu fosse capaz de resistir ao rapaz. Na sua cabeça, eu iria cair nos braços dele num piscar de olhos e cairia sem volta a dar e isso não poderia ser.
Mercúrio foi ajudar a avó na cozinha e exigiu que eu fosse com ele, e eu fui. Que mais poderia fazer? Ele estava a ser possessivo e eu não queria brincar com um Planeta furioso. Apesar de estar a ficar um pouco fartinha e com pena de Tiago, era o melhor.
- Luna, preciso de ti aqui - dizia Mercúrio enquanto me lançava o olhar.
- Pronto, já vou - respondia.
Quando a oportunidade de ficar sozinha por 10 segundos apareceu, eu aproveitei.
- Vou à casa de banho, não me demoro - disse.
O seu toque fez a minha pele arrepiar. Puxou-me pelo braço e levou-me para o jardim. Tiago sorria e eu só queria esconder-me dele. Esconder-me de todos. Porque é que ele me tem com tanta facilidade? Isso irritava-me mais do que qualquer outra coisa.
Tiago levou-me para a árvore no fundo do jardim. A mesma árvore em que Sol me ofereceu o colar que jamais tirarei. Estava a acontecer. A minha visão estava acontecer. As minhas mãos começaram a tremer.
- Estava a ver que nunca mais estavas sozinha - disse, a sorrir para mim, a prender-me contra ele e o tronco da árvore.
- Estava a ver que nunca mais estavas sozinha - disse, a sorrir para mim, a prender-me contra ele e o tronco da árvore.
- Estava ocupada - falei, a tentar respirar decentemente.
- Mas agora já não - inclinou-se para me beijar.
Não queria dizer-lhe que não, não queria dar-lhe uma tampa. Mas eu também não poderia dizer que sim. Movi a minha cabeça para o lado, de maneira a poder desviar o trajetório de Tiago do meu, e abracei-o. Sempre é melhor que um beijo - Pensei. E era. Mas não mudava o facto da porcaria da minha visão estar a acontecer.
- Não fujas de mim Luna - disse, muito carinhosamente, por surpresa.
A minha pele sentiu a dele, o seu dedo tocou o meu queixo. Levantou a minha cabeça, suavemente para encará-lo. Vi aqueles magníficos olhos azuis esverdeados à luz da Lua. Lua, ajuda-me, implorei. Os seus lábios se encontravam tão perto dos meus, o desejo começava a apoderar-se de mim. Coloquei a minha mão no seu pescoço. E de repente ocorreu-me. Sol já estaria na porta de entrada a ver-me. Obriguei-me a afastar mais um pouco de Tiago para poder chamar Sol pela minha Ligação. Sol, Sol... e sentiu-o.
- Sol! - exclamei.
- Luna? - Tiago perguntou confuso.
- Luna... - ouvi a voz de Sol, acabada, triste e desiludida comigo.
- Sol... - disse, largando-me do muro que era Tiago.
Tiago olhou-me, sem perceber o que estava a acontecer. Ignorei-o totalmente. Finalmente consegui ver o meu precioso outra vez e não aguentei, comecei a chorar desalmadamente. Corri para ele. Queria abraçá-lo, já não o via há tanto tempo... Mas eu não merecia. Sol viu-me com outro. Mas ele abandonou-me. Podíamos estar quites não? Que estupidez Luna, o que tu fizeste não tem perdão.
Sol não se movia, mas uma e outra e mais outra lágrima corriam pela face dele. Fazia força com o punho, de certo que era para não atacar Tiago, ou até talvez a mim. Parei a meio caminho. Não consegui ir até ao fim. Não sabia a reação que ele iria ter e isso matava-me por dentro. Dei um passo em frente e outro. Sol limpou os olhos com o braço e foi-se embora. Foi para dentro de casa e fez rumo até ao seu quarto. A sua tristeza consumia cada pedaço de mim, e como se a minha não bastasse, a dele era bem mais profunda. Caí de joelhos, a chorar. Tiago, sem perceber o que se estava a passar, foi ter comigo, na esperança de que lhe explicasse o que tinha acabado de acontecer. Senti os seus passos cada vez mais próximos de mim. Não o queria perto. Quando me apercebi que ele estava prestes a tocar-me, afastei-me com desdém.
- Por favor Tiago, vai-te embora - disse, gaguejando.
- Luna... Explica-me o que se está a passar.
- Agora não, está bem? Por favor, vai - falei.
Tiago veio para perto de mim, tentou abraçar-me e dar-me um beijo em vão. Não o deixei tocar-me outra vez. Saiu da minha casa num espaço de segundos. Avó veio ter comigo, e envolveu-me nos seus braços. O conforto do seu abraço ajudava um pouco, mas não mudava o meu erro.
O coração de Sol partiu-se em mil bocadinhos, eu sentia isso, a sua dor, e tudo por minha causa. E essa culpa corroía-me. Mais do que eu alguma vez imaginara. Sol, desculpa-me, por favor.
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